Oi Pai!
Faz 30
dias hoje que você resolveu, finalmente, fazer o que vinha dizendo - “estou indo
embora”. Mas, como tantas vezes conversamos, ninguém vai embora de verdade. Sua
energia continua ali, no lugar à mesa, nos passos pela casa, na voz firme
contando inúmeros acontecimentos da sua vida. Eu sei que esgotamos tantos
assuntos, discutimos por coisas infundadas mas mesmo assim necessárias, rimos,
gritamos, gargalhamos tanto que deixamos os vizinhos cismados; mas tenho a
impressão que não foi o bastante.
Ainda pego 3
pratos para arrumar a mesa. Ainda insisto em pegar 3 canecas para o café depois
do almoço. Aí eu sorrio. E essa sensação engraçada é porque entendi,
finalmente, como a presença de alguém pode ficar para sempre dentro de nós.
Interessante
como podemos saber mais de alguém depois que esta pessoa não está mais presente
fisicamente. Nos caderninhos, com sua letra, percebi o tempo segurando na sua
mão, tremendo sua letra, deixando suas marcas nos números, nos seus pensamentos
escritos. Na sua preferência de cores nas roupas que vestia, nos números de
manequim que iam diminuindo ... Os bonés que você usava até dentro de casa (porque
você sentia muito frio na cabeça) e os presentes que foram guardados; nos
perfumes que você adorava e “tomava banho” com eles. Poderia escrever para você
durante 87 anos com cada detalhe que tive o privilégio de colecionar ao longo
da minha vida, mas a importância deles está agora dentro de mim.
Percebi sua
preocupação com seu legado, com sua história, com seu infinito trabalho de
tentar fazer com que “entendêssemos” o que você queria dizer – que o mundo não
é só isso. Pois descobri inúmeros feitos seus – pequenos atos de generosidade
com os outros - que quase ninguém sabe! Você se endividada para viajar conosco, para nos proporcionar experiências de vida e nos dar “asfalto no sangue”. E como
tudo tem um retorno, pude viajar com você através das fotos e do telefone.
Lembra? “Pai, adivinha onde estou?”. E você disse, imediatamente: “Volendam!
Comendo aquele peixinho?”. Eu nunca vou esquecer a sua reação - seu olhar - quando viu as fotos de Toledo e
descobriu que poderia ser um judeu-mulçumano!
Ah, pai, sua
percepção de vida sempre foi única! “Ninguém me chuta! Não esse marinheiro
aqui!” – Talvez até tenham tentado “te chutar”, no diagnóstico, no tratamento
desumano e covarde, mas você sabia, de alguma forma – você mesmo me disse!
No seu anúncio
quase diário da despedida dessa vida material, eu tive o privilégio de
conversar contigo e até filosofar, me
preparando junto com você. E é tudo tão possível! Nós até quebramos alguns
paradigmas que dizem: “nunca estamos preparados” – eu vi nos seus olhos que
você estava, e eu também!
Sabe pai, por
incrível que pareça eu não estou triste. Suas últimas palavras para mim me
fizeram consolidar o entendimento que a morte não existe. E eu te vi partir de
uma forma tão serena, tão bonita, que só tenho que agradecer por ter
testemunhado aquele momento, com tanta luz, tanto amor, que se espalhou dentro
de mim – e todo o negativo foi esquecido, e todo o ruim foi perdoado!
Engraçado como
também temos uma tendência a perdoar, esquecer as mazelas, os sofrimentos, as
mágoas, toda agressividade e violência – física, mental, psicológica – que sofremos
com alguém durante tanto tempo. Me pergunto por que temos uma tendência a sacrificar as pessoas com as quais convivemos tão intimamente? Não seriam elas
que deveriam ter o melhor de nós? Infelizmente não é assim. Mas no fim nada
disso tem importância pois descobrimos que somos infinitamente melhores que
traumas, ressentimentos, agressões e injustiças. Porque evoluímos sempre, sempre
melhor com aqueles que estão juntinhos conosco. É pra isso que eles estão aqui,
não é pai? Para tornar cada um de nós mais forte...
E o maior do seu
legado foi a força. Para alguém que veio do interior do nada do Rio Grande do
Sul, passou frio, fome, quase morreu tantas vezes, foi dado como morto pela
família, você conquistou e superou muito! Como diz o nosso grande amigo
Ricardo, “um verdadeiro combatente”!
É Campanha, você
conseguiu tanto! Construiu uma família honesta e fidedigna; conquistou amigos
incríveis; foi generoso e bem humorado; surpreendente! Como eu disse para
nossos companheiros de vida - você foi extraordinário!
E agora pai, não
vou me despedir, só agradecer. Não se preocupe conosco pois estamos seguindo o
roteiro da vida como você nos instruiu: com parcimônia, honestidade e segurança.
E também com um pouquinho mais, como eu costumava te dizer: com alegria,
tranquilidade e fé!
Só peço a Deus
que te receba bem, que você possa continuar evoluindo e que eu possa te
reencontrar para continuarmos nossas conversas – que nunca tinham fim.
Ah, Tetéia! A
política do Brasil continua a mesma... quem sabe você dá uma ajudinha, aí de
cima!