Navegando...

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Trabalhamos embarcadas, offshore, dentro d’água, como queiram. As palavras para explicar essa maneira de ganhar a vida, ou ganhar o sagrado dinheiro para viver a vida, tem muitos nomes. Mas, o importante é o que se ganha na convivência. Neste mundo muito diferente, temos o privilégio da intimidade quando descobrimos a beleza no interior dos seres mais incríveis. Verdadeiros presentes em palavras pois é o que podemos aqui compartilhar. Pérolas que não vão adornar o corpo mas com certeza vão fazer crescer o valor da alma de cada uma de nós. Se nem tudo que se mostra é belo, não importa. Se percebermos o equilíbrio, vai ficar tudo bem!

20 abril, 2022

Sobre o Amor que nos Permeia

 


  Minha alma caminha infinitamente neste mar de meu Deus, com seu mistério, seus ventos, seu sal.

  Sal da energia que nos abençoa, na roda de cores infinitas, conectados no amor - mesmo que não saibamos.

  Onde a terra, mãe eterna, abençoa todas as suas coisas com flores, cores, sabores. E está tudo em nossas mãos.

  Que lindo, todos os minutos desta glória esplendorosa de energia: no dourado, no verde - uma canção! Onde cada ser se revela infinito.

  Onde cada alma se senta para apreciar o coração de Deus e para descobrir que somos irmãos, que estamos ligados, que crescemos através do outro.

  Cada ser faz parte dos mesmos átomos onde pó de estrelas correm em nossas veias.

  Pois podemos aprender com um simples olhar, um sorriso, o cantar de um passarinho.

  A intrincada arte de uma flor, um carinho num gatinho, o mistério da borboleta, a genuína alegria de uma criança, o simples poder de uma risada.

  Em um jardim onde cores diferentes convivem harmoniosamente, inspiro o alento, recostada numa árvore e ouço vozes.

  A paz me invade quando reconheço o amor em tantos olhares, onde não há quedas, não há medo.

  Porque, quando reconhecemos que a vida é um presente, os problemas deixarão de ser impossíveis e a gratidão preencherá todos os corações.

  Não haverá espaço para a dúvida. Dor e sofrimento serão compreendidos como ferramentas de construção.

  A queda será recebida como apenas um movimento invertido e também de aprendizagem.

  Solidão será o caminho para o auto-conhecimento e cada um de nós, um instrumento de generosidade, caridade, gratidão e amor.

  Estaremos em busca, unicamente, do belo, do bom e do justo, para a simplicidade e felicidade da vida.

24 março, 2022

Você sabe trocar o pneu do seu carro?

 



  O "grande barato" da vida é aceitar o equilíbrio, entender como funciona, reconhecê-lo como perfeição.
   Encarar o bem e o mal, a luz e a sombra como partes que integram o todo, como sol e lua. Extremamente necessários ao nosso desenvolvimento e sobrevivência, e ainda assim, opostos.
   O fato é que não somos educados para entender o lado obscuro, as doenças, os contra tempos e os reveses no dia-a-dia.
   Temos um carro com um step mas jamais pensamos que vamos usá-lo. E quando fura um pneu, a tragédia se instala! É assim também dentro de nós!
   Nossa mente carrega todo o equipamento para "trocar nosso pneu furado", mas ignoramos como colocar o macaco no lugar certo para levantar o carro. Simplesmente não queremos aprender a lidar com esses aborrecimentos e ignoramos as noções básicas de segurança, deixando para outros (a seguradora) a incômoda - e lucrativa - tarefa de resolver para nós!
   Ainda assim, às vezes temos o plano B (Boas Almas), que passam no momento certo e nos ajudam. Mas, como resolver a doença, o aborrecimento com o filho, uma conta para pagar? Provavelmente o plano B não vai acontecer e um seguro não irá resolver.
   Precisamos ler o manual que vem no carro e nos preparar para um possível prego no caminho. Desta forma, estamos cientes que o mundo gira em equilíbrio perfeito e podemos sim, encarar essas formas de vida emocionalmente preparados. Gritar, chorar, culpar alguém e chutar o carro não irá resolver, com certeza!
   Quando fui calibrar os pneus do meu carro, o atendente do posto me perguntou: E o step, senhora, tá calibrado? - Pensei, caramba! Ele existe, sim! E eu aqui, ignorando completamente a possibilidade da minha viagem perfeita. Mas aí que está! A perfeição existe na ambivalência, na dualidade. E é por isso que abri a mala do carro e ele, gentilmente, calibrou o step - que não estava em condições de substituir os outros!
   Prestem atenção nas imperfeições que sempre te levarão à revelação do seu próprio ser. Conheça sua sombra, ela que revela onde está sua luz, e as duas unidas, equilibradas, trarão evolução. E perceba que as duas fazem parte do mesmo ser, que é você. Não ignore nenhuma de suas partes.
   Aprenda a trocar o pneu do seu carro. Aprenda a trocar lágrimas por sorrisos. Aprenda a trocar maus dias por bons dias. O peso do aborrecimento é a incapacidade de lidar com suas próprias ferramentas.
   Prepare-se para sua viagem. Olhe sua vida com agradecimento porque tudo faz parte do todo, onde o amor permeia tudo!
   

19 março, 2022

Embarcando na Pandemia


 

     Nesses últimos anos o que parecia ser muito difícil para nós, que embarcamos em unidades de produção de petróleo, ficou ainda mais difícil. Aquela escala antiga de 14 x 14, que na verdade era 14 x 12 (deixa eu fazer um parênteses aqui para explicar essa situação) era bom e nós não sabíamos!

     O regime offshore nos submete a um embarque de 14 dias a bordo, onde ficamos embarcados, trabalhando 12 horas por dia com mais 12 horas de sobreaviso. Isso significa que se tocar um alarme ou o trabalho necessitar, temos que atender a demanda. Aqui não existem shoppings, domingos ou feriados. A internet é muito ruim, o ruído nos faz usar protetor auricular e o cheiro de gás normalmente entra pela ventilação da acomodação e nos acorda com uma sensação de dor de cabeça e náusea.
É... e vocês aí pensando que nós velejamos! (risos)

     Os outros 14 dias são da nossa “folga”. Nesses dias nós temos que recuperar o tempo em terra para consultas, exames, visitas sociais, resolver problemas que ficaram nos esperando e a demanda da família. Onde, normalmente, só queremos nos jogar na cama, encher a cara de cerveja ou pegar o carro e desaparecer no mundo... é bem assim!

     Só que esses 14 dias acabam virando 12. Um dia de viagem para vir para o trabalho e outro dia para voltar para casa. Há muitos colegas que desembarcam de manhã e chegam em casa meia noite. E lá se vai o nosso primeiro dia de “folga” no deslocamento – com congestionamentos, voos atrasados, e algumas vezes uma chuva ou falta de aeronaves que atrasam ou adiam nosso desembarque. Isso tudo faz parte do nosso pacote!

     Parece que estou reclamando? Ah, só estou relatando fatos. A ideia romantizada daqueles que trabalham offshore está longe de ser empática com a realidade. As fotos do por do sol, do nascer do sol, da paisagem que é diferente todos os dias, dão uma ideia de paraíso. Sim, o mar, a natureza, esse planeta maravilhoso é um paraíso aos olhos, mas não para o físico ou o mental.

     Retomando, quando chegou a fatídica pandemia o horror emocional começou. Quarentenas de 15 dias em hotéis, sem poder sair ou ver ninguém que baixaram para 7 dias, 5, 4, 1, voltou para 4 e agora serão 2. Essa inconstância nas escalas e na nossa vida nos tornaram mais escravos do trabalho – da empresa – do estilo gestor de ser, ou não ser. Se antes éramos “recursos” agora somos números, de fato!

     É impossível planejar sua vida. É impossível prever ou querer fazer algo na “folga”. Tudo vai depender do que vai acontecer com sua vida profissional que se tornou o centro de tudo. Afinal, sem emprego, sem dinheiro, como sustentar a vida lá fora?

     Somos escravos em um regime velado que é ditado por organizações (humanas) que sequer tem a noção do que fazemos ou como vivemos aqui. E para você que está lendo isso, pode parecer muito mimimi, mas aqui, quem escreve, é uma pessoa que VIVE neste mundo há mais de 18 anos. E agora, independente de quão capaz eu sou, do quanto gosto de estar e trabalhar aqui, sinto que suportar essas exigências desumanas não é mais possível.

     A conclusão é que não trabalhamos para viver, mas vivemos para trabalhar. E se levarmos em consideração a origem da palavra trabalho, vamos ver que cada vez mais teremos que lançar mão de ansiolíticos para continuar vivendo com um mínimo de qualidade.

     Trabalho vem de tripalium, um instrumento de tortura que tem três estacas de madeira afiadas. Trabalhar, significada “ser torturado”. Que incrível! Se tivéssemos noção da origem das palavras que usamos no nosso dia a dia, quem sabe faríamos algo para mudar.

     Enfim, torcemos agora para que a quarentena no hotel diminua ainda mais, porque cada dia que passamos fora é como se removessem alguns grilhões da nossa alma.


02 novembro, 2021

Lucilia




Eu tive pouco contato com minha avó paterna. 
Sei que era descendente de franceses e italianos. 
Lembro que a vi poucas vezes, umas quatro ou cinco vezes, na minha infância e adolescência. Ela faleceu em 1979, quando eu ainda era uma adolescente cheia de sonhos e fantasias.
O que eu lembro da minha avó é a imagem de uma pessoa velha, ou talvez envelhecida, enrugada. Voz pesada na garganta untada com chimarrão quente e cigarro. Gestos lentos onde ela abanava as mãos grandes cheias de ossos. O corpo grande, ossudo, largo. Os olhos famintos, agudos, brilhantes e observadores. Sempre com aquele quê de desconfiança e ataque.
Mas a minha avó nem sempre foi velha - Hoje, quase mais velha do que ela quando a conheci, consigo entender que aquela imagem era de uma pessoa sofrida, sozinha, machucada - tornou-se dura, amargurada e, como todos diziam, "louca". 
Provavelmente hoje seria diagnosticada como bipolar.
O incrível é que não existia nenhuma célula louca nela. Aliás, acredito que ela tenha incorporado a loucura para mascarar a verdade ou sequer se dar ao trabalho de uma explicação para os outros. Ela aceitou a loucura como uma capa para que seu ser ficasse invisível. Na verdade, a invisibilidade a defendia da verdade e atenuava sua culpa.
Os outros, familiares com seus próprios umbigos satélites, não procuraram entender, nem questionaram os motivos. Por quê uma mulher que ainda não fizera 40 anos, na década de 30, embarcara em uma carroça com 8 filhos e abandora o marido e a fazenda, no interior do Rio Grande do Sul. Apenas a julgaram louca e a sentenciaram a uma vida difícil, onde os filhos foram as grandes vítimas da falta de carinho, suporte e acolhimento da própria família.
Mas eram outros tempos. Tudo era mais difícil de se ganhar. O dinheiro era escasso. As famílias eram grandes e com muitas mulheres. Época onde a profissão para elas era o casamento. O tempo se encarregou de organizar a vida de cada um dos meus tios e tias. Tornaram-se pessoas com suas próprias demandas de família, vícios, dificuldades, leviandades, moral, alegrias e tristezas - como toda grande família que se preza. E minha avó foi se acomodando entre as estações do tempo, mudando de casas, colocando panelas em baixo das goteiras, fechando as janelas no inverno, acendendo o fogão à lenha e fazendo sua sopa. Enquanto seus olhos verdes e vivos vagavam pelo céu, sorvendo o chimarrão, e sonhando com um futuro seguro para seus filhos.
Minha avó era, na verdade, uma guerreira. Uma pioneira! Dona legítima do seu ser, da sua vontade.
Diferente das mulheres de sua época, ela fez uma escolha e recebeu as consequências pelo resto de sua vida. 
A loucura da ignorância alheia afasta e constrói barreiras que impossibilitam o amor avançar e abraçar o outro. E também a falta de entendimento dos outros é que faz com que pensem que somos loucas. 
O julgamento alheio, o rancor e o não entendimento dos filhos. As estações indo e vindo abraçando nossos corpos e nossas almas com flores, frio, calor e ventania.
Cresci e, por opção, escolhi amar essa figura fantástica que faz parte da minha história. Escolhi entender que suas ações ajudaram a me trazer à este mundo. Se não fosse sua cabeça-dura, meu pai não teria trilhado o caminho até minha mãe.
Tudo tem uma razão de ser. Estamos no lugar certo, fazendo o que é certo, na hora certa.
Infelizmente não conseguimos entender isso de forma simples. 
Gritamos, sofremos, guardamos lixo...
Ah, a vida é tão simples! Se simplesmente conseguíssemos respirar mais e segurar os impulsos nefastos que nos invadem quando somos assombrados na nossa zona de conforto.
Muito grata estou por você, vó Luci. Pelo seu movimento incrível em quebrar regras e conceitos, que deixavam as mulheres em suas caixas.
Obrigada por se permitir. Obrigada por me ensinar que podemos fazer diferente.
Fique bem. 
Que o amor de Divino acolha seu coração.
Vocé é linda!


Foto: 




















Deus

 

Deus para mim não é uma pessoa, ou um ser específico. É energia, equilíbrio. O grande bum do mundo para sustentar todas as nossas loucuras e nos centrar. Como se fosse um monolito ou uma aste que nos mantém esticados para cima, para não caiamos na terra, esborrachados.

Deus pra mim é tudo. Está em tudo. Na flor que nasce, na semente que apodrece sem germinar. Nas estações do ano, no lamento da chuva, na violência do vulcão. Deus pra mim está em todas as células que fazem o elétrons girarem sem explicação. Deus é divino. É o tudo e o nada. É uma órbita com gravidade inteligente que mantém todos alinhados e conectados com FÉ.

Sim... essa tal de fé que nos faz vibrar de forma medíocre quando queremos alguma coisa muito egoísticamente. Aí temos fé... que piada.

E isso tem a ver com Deus também, afinal, não foi essa inteligência inexplicável que criou tudo?

Será?

E se nos criou à sua imagem e semelhança, então também “ele” é imperfeito. E nós buscamos uma perfeição que não existe e somos satélites do nosso próprio mundo de faz de conta pensando que somos muito importantes.

Tá bom, somos sim, importantes porque não existe ninguém igual a mim. Pelo menos não aqui nesse mundinho, nesse plano, nesse ínfimo átomo de nanoareia onde existo – que sou eu. E se houver um monte de “eus” por aí, me olhando assim, bem do outro lado do espelho? Cada uma delas separada por uma tênue cortina de partículas invisíveis onde nosso corpo físico não tem acesso... acho que ando vendo filmes de ficção demais!!!

Mas é isso. Deus é um cara muito esperto. Não dizem por aí que enquanto fazemos planos ele ri? Então, devemos ser uma piada constante mesmo. Porque ele foi muito inteligente ao nos dar o tal do livre arbítrio e ficar lá, sentado, só observando... “Agora, meus filhos, resolvam os problemas de vocês!”

Não quero parecer sarcástica nem revoltada. Na verdade a sensação de Deus está aqui, dentro de mim. É essa vontade de levantar todos os dias e ajudar alguém, inexplicavelmente. Essa energia vibrante que nos faz suportar tudo e sustentar nossa vida. Até nos atos mais sórdidos nosso instinto de sobrevivência prevalece – só Deus sabe o porquê! – porque é “ele” quem nos sustenta.

Enfim, Deus é uma explicação diferente para cada um de nós porque, como disse antes, somos diferentes. Experiência, valores, personalidade, caráter, emoções... embora exista um parâmetro genérico, a essência divina prevalece em nós. E é essa essência que nos faz únicos.

Independentemente de gênero, raça, religião, nacionalidade, gostos, ações, síndromes, doenças, etc., estamos todos juntos no mesmo barco-planeta.

Só sei que no final, o respeito deveria existir por sermos simplesmente seres humanos, irmãos na nossa vibração divina.

Simples assim!

 


02 outubro, 2020

Saudade


Sinto falta de você comigo.

Da emoção, da provocação, daqueles momentos castos onde tudo era implicância.

Engraçado como se quer a separação e no momento que acontece, tudo parece que foi em vão: os gritos, as impaciências, a chatice, as incoveniências.

Mas era bom. 

Rir com você.

Provocar seus olhares aparentemente surpresos.

Você nunca se entregava. 

Nunca deixou aquela força-agressiva deixar você por completo.

Não existia doçura - só verdade. 

E a verdade não traz amenidades. 

Traz apenas a vida crua.

Mas você ainda me ensinou a não ter medo.

Por isso o próprio espanto quando me postava verdadeira à sua frente. 

E a luta recomeçava.

Durou esta vida toda e provavelmente vinda de outras. 

Mas, no fim, as espadas foram embainhadas.

Os escudos caídos no chão.

A batalha interrompida, espero, acabada!

Talvez exista um próximo encontro, numa ravina verde, embaixo de uma árvore, onde possamos continuar aquelas infindáveis conversas.

Quem sabe com um café, uma sopa.

Um cão ou um passarinho por perto.

Ouvir sua risada, aquele olhar que tudo sabia, sendo provocado novamente.

E, no fim, só um abraço.

Não daqueles duros, que você não sabia dar. 

Mas um que viesse do coração, onde eu pudesse ouvir, só por uma vez, você dizer: 

Eu te amo!


15 julho 2020

09 março, 2020

Era uma vez...



         Era uma vez um rapazinho magro, com os olhos cheios de curiosidade, que nasceu no interior do Rio Grande do Sul, lá pelas bandas de Inhacorá. Desde cedo ele já observava os bugres na fazenda, atolando as vacas no brejo quando seu pai não estava em casa, para poder comerem a carne. Sua mãe, mulher trabalhadeira e sozinha com oito filhos, não tinha como resgatar as vacas, então as entregava aos índios. Sua memória prodigiosa lembra que, quando sua mãe colocou os oito filhos na carroça para sair "dauqele fim de mundo" rumo à Itaqui, foi sentado na parte de trás, balançando os pés e comendo a galinha com farofa, que ele tirava de dentro de uma lata – escondido, claro! Já nem tinha sete anos e me contou, com um sorriso no canto da boca, que jogava os ossos na estrada, para que sua mãe não visse.
        Coisa de criança, certamente, que ele quase não teve tempo de viver. Desde muito cedo fazia contrabando no rio Uruguai, atravessando com a chalana, remando noite a dentro com sua companheira de contravenção, Maria. Nessa luta diária e noturna para sobreviver, vendeu laranjas, picolés, e tudo o que poderia ser transformado em dinheiro. Corria nas ruas descalço, conhecia todos os “meganhas” (policiais), dormia em baixo da mesa, apanhava dos mais robustos, mas nunca levou desaforo para casa.
         Quando sua irmã Linar deu a ele todas suas economias para a compra de um par de sapatos, para que ele pudesse comprar uma passagem para se alistar na Marinha, sua vida mudou.
       O mar, a itinerância, o desconhecido, a liberdade, deram a ele o reconhecimento da sua alma. Viajou, trabalhou, foi requisitado e reconhecido; administrou, aprendeu que não se discute com superiores; acatou ordens estúpidas e foi condecorado; liderou, conspirou e construiu uma personalidade forte e inflexível – um sobrevivente.
      Esse rapazinho que poderia ter morrido várias vezes teve um anjo da guarda também marcado por batalhas. Não adoecia, não esmorecia, não desistia.
         Apaixonou-se em março e casou-se em dezembro contrariando sua própria natureza. A família deu a ele um sentido de responsabilidade e fidedignidade que já estava lá, em algum lugar, esperando para ser resgatado. E assim, foi a vez de desempenhar o papel de pai, marido e amigo de forma muito boa, porque afinal, não existem regras nem manuais que definam o que fazer com três crianças. Mas ele tinha o fundamental: força de vontade!
      Não faltaram presentes no Natal nem as viagens anuais. Livros, música, dança. Humor, animais dentro de casa e a cobrança de responsabilidade. Nunca faltou comida e conversa. Nunca faltou correção e sinceridade. Hoje, pensando naquele rapazinho que se transformou em um homem, eu queria um pouco mais de tempo.
      Mas o tempo é relativo – aqui e lá – mas, para aquele rapazinho do interior que teve uma sorte danada de singrar mares desconhecidos, oitenta e sete anos foi um tempo considerável!
        Como ele mesmo me disse, à mesa, durantes incontáveis refeições: “Eu poderia ter morrido várias vezes”. E eu sorria, e dizia: “Pois é, Tetéia! Você não morreu porque tinha que estar aqui, neste momento, contando tudo isso para mim. E também, porque eu precisava nascer!”
     É um privilégio ter conhecido esse rapazinho muito forte – física e espiritualmente – e ainda ser filha dele e, no fim, ainda ser testemunha do crescimento de sua alma.
         E assim, depois de um ano sem sua presença física neste plano, tenho certeza que sua história não chegou ao fim, pois ainda podemos viver felizes para sempre com seu amor pela vida – extraordinário!

10 abril, 2019

Oi, Pai!



       Oi Pai!
      Faz 30 dias hoje que você resolveu, finalmente, fazer o que vinha dizendo - “estou indo embora”. Mas, como tantas vezes conversamos, ninguém vai embora de verdade. Sua energia continua ali, no lugar à mesa, nos passos pela casa, na voz firme contando inúmeros acontecimentos da sua vida. Eu sei que esgotamos tantos assuntos, discutimos por coisas infundadas mas mesmo assim necessárias, rimos, gritamos, gargalhamos tanto que deixamos os vizinhos cismados; mas tenho a impressão que não foi o bastante.
      Ainda pego 3 pratos para arrumar a mesa. Ainda insisto em pegar 3 canecas para o café depois do almoço. Aí eu sorrio. E essa sensação engraçada é porque entendi, finalmente, como a presença de alguém pode ficar para sempre dentro de nós.
      Interessante como podemos saber mais de alguém depois que esta pessoa não está mais presente fisicamente. Nos caderninhos, com sua letra, percebi o tempo segurando na sua mão, tremendo sua letra, deixando suas marcas nos números, nos seus pensamentos escritos. Na sua preferência de cores nas roupas que vestia, nos números de manequim que iam diminuindo ... Os bonés que você usava até dentro de casa (porque você sentia muito frio na cabeça) e os presentes que foram guardados; nos perfumes que você adorava e “tomava banho” com eles. Poderia escrever para você durante 87 anos com cada detalhe que tive o privilégio de colecionar ao longo da minha vida, mas a importância deles está agora dentro de mim.
     Percebi sua preocupação com seu legado, com sua história, com seu infinito trabalho de tentar fazer com que “entendêssemos” o que você queria dizer – que o mundo não é só isso. Pois descobri inúmeros feitos seus – pequenos atos de generosidade com os outros - que quase ninguém sabe! Você se endividada para viajar conosco, para nos proporcionar experiências de vida e nos dar “asfalto no sangue”. E como tudo tem um retorno, pude viajar com você através das fotos e do telefone. Lembra? “Pai, adivinha onde estou?”. E você disse, imediatamente: “Volendam! Comendo aquele peixinho?”. Eu nunca vou esquecer a sua reação - seu olhar - quando viu as fotos de Toledo e descobriu que poderia ser um judeu-mulçumano!
      Ah, pai, sua percepção de vida sempre foi única! “Ninguém me chuta! Não esse marinheiro aqui!” – Talvez até tenham tentado “te chutar”, no diagnóstico, no tratamento desumano e covarde, mas você sabia, de alguma forma – você mesmo me disse!
      No seu anúncio quase diário da despedida dessa vida material, eu tive o privilégio de conversar contigo e até  filosofar, me preparando junto com você. E é tudo tão possível! Nós até quebramos alguns paradigmas que dizem: “nunca estamos preparados” – eu vi nos seus olhos que você estava, e eu também!
      Sabe pai, por incrível que pareça eu não estou triste. Suas últimas palavras para mim me fizeram consolidar o entendimento que a morte não existe. E eu te vi partir de uma forma tão serena, tão bonita, que só tenho que agradecer por ter testemunhado aquele momento, com tanta luz, tanto amor, que se espalhou dentro de mim – e todo o negativo foi esquecido, e todo o ruim foi perdoado!
Engraçado como também temos uma tendência a perdoar, esquecer as mazelas, os sofrimentos, as mágoas, toda agressividade e violência – física, mental, psicológica – que sofremos com alguém durante tanto tempo. Me pergunto por que temos uma tendência a sacrificar as pessoas com as quais convivemos tão intimamente? Não seriam elas que deveriam ter o melhor de nós? Infelizmente não é assim. Mas no fim nada disso tem importância pois descobrimos que somos infinitamente melhores que traumas, ressentimentos, agressões e injustiças. Porque evoluímos sempre, sempre melhor com aqueles que estão juntinhos conosco. É pra isso que eles estão aqui, não é pai? Para tornar cada um de nós mais forte...
       E o maior do seu legado foi a força. Para alguém que veio do interior do nada do Rio Grande do Sul, passou frio, fome, quase morreu tantas vezes, foi dado como morto pela família, você conquistou e superou muito! Como diz o nosso grande amigo Ricardo, “um verdadeiro combatente”!
      É Campanha, você conseguiu tanto! Construiu uma família honesta e fidedigna; conquistou amigos incríveis; foi generoso e bem humorado; surpreendente! Como eu disse para nossos companheiros de vida - você foi extraordinário!
      E agora pai, não vou me despedir, só agradecer. Não se preocupe conosco pois estamos seguindo o roteiro da vida como você nos instruiu: com parcimônia, honestidade e segurança. E também com um pouquinho mais, como eu costumava te dizer: com alegria, tranquilidade e fé!
    Só peço a Deus que te receba bem, que você possa continuar evoluindo e que eu possa te reencontrar para continuarmos nossas conversas – que nunca tinham fim.
      Ah, Tetéia! A política do Brasil continua a mesma... quem sabe você dá uma ajudinha, aí de cima!

19 novembro, 2018

Hoje é Dia de Chuva !!!

Foto: Ramblas, Barcelona - ES


       Amanheceu chovendo. E, pior, tem troca de turma. O pessoal já está agitado, ansioso. De dez em dez segundos aparece alguém na Sala de Radio para saber se o aeroporto está fechado; se os voos estão normais; se "alguma notícia"?
       A agitação da alma é maior. O confinamento potencializa tudo. O grau de nervosismo, a dor de cabeça, o cansaço, o mau humor e a psoríase. O coração pesa no peito... avisar a família; consultas marcadas para cancelar; a viagem que talvez será perdida... E a mente entra em um turbilhão de emoções beirando o descontrole.
       E hoje é dia de chuva. E o aeroporto fecha! Agora é colocar o macacão novamente e voltar para a área. Voltar para a realidade do trabalho que hoje está especialmente difícil, pois não pára de chover.         E deixar a área pessoal novamente, trancada no armário até o próximo dia, onde viveremos tudo novamente, cada minuto, querendo saber se os voos vão acontecer.
      E nesse mundo de água, fogo e ferro é complexo agir como um ser humano. Ontem um colega falou que as pessoas que trabalham embarcadas não são normais. Depois de rir e pensar que isso é bizarro, perguntei para ele o que é "normal"? Se considerarmos as milhões de profissões e inúmeros trabalhos que existem, encontraremos coisas bem mais anormais. E cada uma delas precisa de pessoas para que as engrenagens da sociedade continuem rodopiando e fazendo seu papel. Então a normalidade tem suas nuances. Como disse antes, o ambiente onde trabalhamos nos potencializa.
       Tudo aqui tem uma conotação exagerada pelo fato de passarmos mais de 14 dias dentro do ambiente de trabalho - dormindo, comento, vivendo com as mesmas pessoas 24h por dia. Tudo é exagerado. Comida à vontade de várias qualidades - coisas que normalmente não temos em casa - aqui tem de sobra! O pior é que o afastamento de casa incomoda tanto, que parece que o cozinheiro não acerta no tempero! Dormir também é um exagero. Nas doze horas que ficamos de sobreaviso dormimos umas dez! Afinal, não tem muito lazer, nem onde ir, nem opções culturais ou artísticas. É um excelente lugar para se criar vícios! Leitura, Play Station, Candy Crush, Chimarrão, Fofoca, Whatsapp, e o que mais a sua solidão necessitar para ser driblada... até mesmo passar inúmeras vezes pelo quadro de aviso para ver se seu nome está na lista para desembarcar!
       E hoje é mais um dia de chuva! E muda o clima, claro, (idiotice dizer isso, mas...) muda o clima por dentro. Os sorrisos são menores, a tristeza maior, as piadas diminuem, a ansiedade aumenta. Aumenta também a vontade de estar longe daqui, perto de alguém que te coloque no colo. A carência aperta sua mão e as memórias afloram. Lembramos de tudo... dos perfumes, dos toques, dos sons. Queremos voltar ao passado com aquela urgência desesperada de um futuro cheio de sol para nos levar para casa. Aí o arrependimento soca o estômago quando lembramos que as férias foram vendidas em detrimento de um dinheirinho que era preciso para isso, ou para aquilo... são tantas coisas que se precisa! E agora, nesta chuva, percebe-se que a necessidade está muito além do material. A felicidade está fracamente ligada a um simples raio de sol!
       Sair daqui tem um contexto muito sério para nossa sanidade mental. A maioria das pessoas pensa que nossos dias de folga são o paraíso. Ledo engano! A folga é feita para tentar recobrar os dias que estávamos ausentes. Consultas, consertos, soluções de problemas, crianças, pais, conjuges, carros, casa, e por aí vai... são tantas cobranças - físicas e psicológicas - que raramente temos um tempo de folga, na folga (redundante?), para cuidar de nós mesmos! 
       E é por isso que as férias são fundamentais para desvincular nosso físico e mental dessa área tão complexa que é o nosso trabalho neste navio. É necessário sair, olhar horizontes diferentes, ouvir sons, ver pessoas e lugares que não são rotineiros. Essa higiene mental é vitamina pura para nosso cérebro - em todas as áreas - formando conexões sinápticas para nos manter saudáveis, trazendo alegria e afastando as doenças. Refazendo nosso sistema imunológico e garantindo que, a próxima vez que o voo for transferido, eu não vá surtar!
       Hoje é dia de chuva! Deixa chover! 
       Mas antes, tem sempre uma reza para ajudar a afastar as nuvens!

18 dezembro, 2017

Eu Tinha um Amigo


Eu tinha um amigo (conjugado no verbo possessivo). Fiel. Até que mudou. Não sei por quê, ou talvez eu saiba e não queira dizer ou aceitar. Eu mudei, ele mudou. O mundo mudou também e nos arrastou naquele caleidoscópio tão comum das paixões. É... foi uma paixão. Não minha, dele. Mas também – penso eu aqui no meu cantinho – que nem foi paixão. Foi uma necessidade, um medo, de não ficar sozinho. Ah, como as pessoas se perdem com o medo da solidão. Que banal!
Se soubessem que existe dentro de nós tantas razões, tantos mundos, tanto conteúdo que não nos deixa sozinhos nem um segundo! Ha, ha! Até rimou!
Então, eu tinha um amigo. Ele era para a cama, a mesa e o banho (rindo com as lembranças, principalmente as sórdidas!). Ele era técnico, carinhoso, bem humorado, resiliente, quase nada educado (ninguém se importava), cozinhava muito bem, sabia de tudo (tanto que sua língua não cabia na boca), vaidoso sem exageiros, forte sem músculos definidos (só o pânceps) e generoso! E era, acima de tudo, meu amigo – eu bem pensava assim!
Pensava porque quando se fala em amigos a idéia é que são eternos. Mas não são. Existem vários tipos de amigos. Para o futebol, o vinho, o cinema. Aquele que te escuta e aquele que fala. O chato, o insistente, o pessimista. O analista e o conquistador. (Desculpe-me por escrever no masculino mas é para encurtar o texto – considerem ambos os gêneros!). E também os que embarcam. Noventa e nove por cento só dura 15 dias, ou 7, dependendo da sua escala!
Voltando ao amigo que eu tinha: em épocas de crises – financeiras e psicológicas – ele apoiava e se dava. E nós tínhamos essa simbiose, inédita em tantos relacionamentos. E, infelizmente, tenho que concordar com o ditado popular que diz que tudo que é bom dura pouco. Mas durou muito. Durou a nossa eternidade. E, pensando nisso agora, ainda sinto uma espécie de alegria amorosa em relação ao meu ex-amigo. E nunca, em nenhum momento, contava com sua morte.
Mas não sinto saudade. Existe um vazio preenchido com tristeza onde ele ocupava. Uma pitada de decepção e raiva onde os mundos explodem e cada parte vai para um lugar distante, inalcansável. Uma inexplicação (se é que isso existe) e incompreensão porque somos fracos e deixamos que sentimentos idiotas sobrepujem a nossa essência divina. E já não somos mais humanos e apenas espectros das nossas mais rasas emoções. E nos perdemos. E perdemos um ao outro. E sobram apenas lembranças.
E aqui é onde lembro uma música do George Michael, Waiting For That Day, onde ele diz – “Minha memória me serve muito bem”. E onde a solidão não tem espaço se você está preenchido com milhões de momentos perfeitos.  https://www.youtube.com/watch?v=R74shUIiSIY
Enfim, eu tinha um amigo. E escrevo isso agora porque sua morte na minha vida me fez entender que nada é para sempre... nem as pessoas! E se só levamos desta vida o amor que a gente dá, então, estou com uma bagagem pesada!
Por ele, por todos eles, por ela, por todas elas. Por todas as pessoas que ainda vivem em algum lugar longe de mim; por aquelas que estão presente. Pelas pessoas que morreram, transcenderam, mudaram, ausentaram, trocaram de casas e cascas.
Eu tinha amigos. Alguns ainda permanecem!

E que assim seja!

15 outubro, 2017

Precisa-se de...


Todos precisam de amantes. Desses que amam mesmo, sem limites, sem essas mazelas sociais-religiosas hipócritas. Precisamos dessas pessoas de vez em quando – vez em sempre – para nos dar aquilo que geralmente nossos companheiros “oficiais” não conseguem.
Nunca encontramos o ouvido necessário, o carinho desmedido, a compreensão sem julgamento naqueles que dividem a rotina, pode ser que no início sim, mas o tempo passa e tudo se perde.  Aqui, nessa vida no mar, sempre falta algo, sempre há um vazio no todo, como se não houvesse um entendimento com interesse real. E aqueles que ficam em casa não conseguem entender o que se passa no nosso coração.
Esta vivência fragmentada abre portas para outros e outras. O cárcere que nos obriga a desancorar da vida aterrada nos leva a ignorar limites. Nos apaixonamos. Nos deslumbramos porque eu vejo noutra pessoa, o que gostaria de ter. E me atiro!
E aquele esteriótipo de traidor-sem-vergonha ou aquela figura da mulher piranha-destruidora-de-lares não faz nenhum sentido. Aqui na água, na terra ou no ar, existem pessoas pessoas que sabem se dar sem cobrar. Que são livres, que já ultrapassaram os limites convencionais e sabem aproveitar os minutos da vida e serem felizes – no fogo – , sem amarras, sem cobranças, sem pudores desnecessários.
Mas é difícil, muito difícil. Porque somos sempre julgados, discriminados e condenados por não conseguirmos viver essa vida proclamada normal. A sociedade dita regras e, para não sermos marginalizados, precisamos segui-las.
Mas lá no fundo somos livres. Isso é que incomoda. Não existe religião, origem, sentimento, consciência ou qualquer coisa que consiga explicar a simples liberdade de sentir, de gostar de alguém, de querer se fundir no pensamento que é tão igual ao seu, sua casa, seu porto, sua cama.
E, acreditem, todos realmente precisam de amantes. Para seu amor próprio, para seu coração bater com paixão, para melhorar todos os relacionamentos – antigos e atuais. Todos precisam de amor. Todos precisam de motivos, de emoção, de vida secreta.
Os segredos que alimentam a imaginação. Que dão aquele gás necessário ao mundo imaginário. Mas não existe nada de imaginário no toque que aquece, na poesia que cresce, nas palavras que sempre queremos ouvir. Aquele olhar cúmplice, a antecipação do momento do encontro.

Todos precisam de ouvidos. Todos precisam se entendidos. 
Todos precisam de colo, de uma mão que não nos deixe pular no precipício.
Mas quem vai confessar?

22 setembro, 2016

Preconceito X Discriminação



     Quando escuto alguém dizer "Temos que acabar com o preconceito" penso que isso é impossível. E se, lá no fundo, fizermos uma análise de consciência, veremos que todos nós carregamos pré-conceitos sobre alguma coisa - religião, cor, raça, cultura, vestimenta, gênero, sexo, comida, etc.
Afinal, o preconceito é incutido no ser humano a partir do nascimento, através de valores, opiniões e sentimentos trazidos pelos pais, pela escola, pela sociedade que circunda esse indivíduo. 
     Acabar com o preconceito? Impossível!
     A não ser que tenhamos uma sociedade feita de robozinhos idênticos que falem a mesma língua e façam a mesma coisa. Mesmo assim, a opinião do criador sobre eles será diferente e, em algum momento, haverá diferença e aí voltaremos ao ponto zero pré concebido!
    O preconceito vai criando raízes na pessoa porque ela não faz um exame crítico a respeito do ocorrido para saber se aquilo é verdadeiro ou se existe uma outra possibilidade de ser diferente. Como dizia meu avô: "Emprenha-se pelo ouvido". A pessoa assume um sentimento hostil, muitas vezes em consequência da generalização apressada imposta pelo meio, vindo de pessoas que tiveram uma experiência pessoal negativa. E assim espalham-se conceitos que vão gerar discriminação e prejudicar a vida da maioria das pessoas - e cria-se uma corrente do mal.
     E chegamos à discriminação que é o julgamento estabelecido pelo preconceito na ação de separar, condenar, marginalizar qualquer coisa ou pessoa sem direito a defesa.
     Por exemplo: preciso de um motorista. Tenho apenas uma vaga. Aparecem cinco candidatos e um deles é uma mulher. Após verificar os documentos e currículos de todos a mulher é, de longe, a candidata mais qualificada. Não tem multas nem pontos descontados na carteira. Nunca esteve envolvida em um acidente. Dirige com atenção, prudência e educação. Mas, ao analisar a contratação penso: Ah! Mas é uma mulher! E vem na mente aqueles chavão: "Mulher no volante, perigo constante." E o que eu faço? Contrato um dos homens!
     Esse é apenas um exemplo, mas que mostra que existe uma linha muito tênue entre o conceito que regula minha vida (mulher motorista) e a ação que fará uma diferença gigantesca (não vou contratar uma mulher que dirige!)
     Aqui, embarcada, vejo movimentos preconceituosos o tempo todo. Como precisamos de hierarquia para comandos e comandados, a discriminação é presente em simples atos diários. Complexo para explicar, mas só para deixar registrado que, em um navio com tantas culturas e nacionalidades, é palpável e até nojento, perceber ações que denigrem e empobrecem brasileiros vinda de chefias estrangeiras só porque somos latinos - nesta palavra, muita coisa já pode ser explicada!
     Preconceito é intolerância! É o pensamento que leva à ação discriminativa. E é essa ação que devemos combater. Enquanto existir um mundo cheio de cores, sabores, amores, existirão escolhas, preferências, um jeito de fazer diferente. Isso faz parte do ser humano. Isto é quem somos - seres em constante evolução! Mas para evoluir é preciso senso crítico. É preciso conhecer a si mesmo. É necessário empatia e compaixão.
     Então, cuidado com movimentos que, em nome de uma inclusão, segregam grupos. Não sejamos engrupidos com idéias e leis que facilitam a vida de alguns em nome do "combate ao preconceito" e acabam marginalizando a maioria.
     Discriminar, isolar, não dar oportunidade de reaver conceitos, nos deixará estagnados e propensos à violência e jamais reconheceremos no outro a sua essência divina. E isso não permitirá que a nossa própria essência divina se manifeste!

09 maio, 2016

Dia das Mães. Ah! E das Tias... Tá bom! Das mulheres!


Domingo, 9 de maio de 2016. Dia das mães. Olhando as inúmeras fotos no Facebook fiquei embolada entre tristeza e alegria. Os nenéns, as fotos antigas das mães, das avós, de tantas mulheres que conheço e algumas poucas que ouvi falar e que posso perceber são todas agraciadas pelo carinho de seus filhos. 
Aqui, embarcada, nesse mundo fragmentado onde vivo a internet é uma ferramenta indispensável para manutenção da nossa saúde psíquica, principalmente quando essas datas acontecem e estamos aqui, dentro d'água. Infelizmente nem todos conseguem entender assim - mas isso é outra história.
A figura da minha mãe vem vestida em uma colcha de retalhos colorida onde cada um deles é uma tia - hoje dá-se o nome de patch-work - muito chique! Elas estão incrustadas, que nem craca em casco do navio (no bom sentido) em todas as fases e memórias da minha vida. Irmãs da minha mãe - irmãs do meu pai - que sorte eu tive de poder conviver com essas mulheres únicas! Aprender, rir, confidenciar, chorar.
Dizem que avó é mãe com açúcar. Tia, pra mim, é mãe com pimenta! Explico: essas figuras incríveis e tão singulares são seres especiais que tem um pouquinho de mãe, irmã, fada, confidente, advogada, cúmplice, juíza, bruxa e anjo - muito tempero! Elas enfeitaram a existência com bolos, colo, café, chouriço, revistas, cachoeiras, banho de piscina, risadas, primos, primas, viagens, sotaques, palavrões, emoções e histórias infindáveis de suas próprias vidas.
Então, eu gostaria de agradecer porque fui abençoada por ter uma mãe. Pela sua generosidade e responsabilidade. Como seres humanos sabemos que elas não são perfeitas, pois também não somos! Mas só a coragem de nos aceitar como filhos e filhas, fazem essas mulheres especiais. Só entendo o amor de uma mãe como incondicional. E é o único assim. Infelizmente para muitas que abriram mão desta dádiva, só posso entender que existem explicações espirituais além do nosso alcance, pelo menos neste plano.
Porque mãe não é aquela que pari. Mãe são mulheres que amam e estão dispostas a renunciar o ego e colocar nos braços uma outra vida. 
E mesmo assim, ainda sorriem quando seus filhos e filhas são acusados de "filhos-da-mãe" - claro! Todos nós somos!!!
Acredito que o dia das Mães seja uma ótima oportunidade para reavermos nossos valores. Ainda mais que o tempo passa - sem piedade - e não nos dá oportunidade de voltar e refazer o que foi feito estupidamente, ou fazer o que não foi feito - por ignorância. Todos nós envelhecemos e a única maneira certa de corrigirmos nossas loucuras é aceitar que somos infalíveis e abraçar o que a vida nos dá de graça - pessoas que nos amam! Nossa mãe! Se ela é boa ou má, certa ou errada, se fez ou não fez, já não mais interessa. Temos que deixar nosso coração captar um pouquinho desse amor - as vezes rude, mas nem menos amor - que nos foi dado e segurar os momentos bons. Para que guardar lixo? 
Para minhas amigas, minhas primas, minhas colegas professoras, minhas colegas de trabalho, minhas tias, minhas irmãs - mães de todas elas, mães em horas infinitas... lembro de todos seus relatos, de todas suas histórias. Por isso sintam-se abraçadas com uma profunda gratidão por me darem o privilégio de conhecer esse amor maternal tão de perto e de me emocionar com ele.
Obrigada às minhas avós, bisavós, mulheres que não conheci mas que sei que, sem essa vontade guerreira, sem o espírito desbravador que carregaram, eu não estaria aqui!

24 setembro, 2015

Jose Roberto


Há muito tempo atrás, quando crianças, em Brasília, brincávamos juntos de pique-esconde, queimado, finca, cinco marias, corda, elástico, bicicleta, pipa. Sentávamos em círculos em baixo do bloco quando chovia e inventávamos brincadeiras. E nessas raras chuvas procurávamos poças d`água para catar girinos.
Criança sempre inventa. Criança tem aquele jeitinho flexível de se auto-organizar, pulando as barreiras da vida com uma energia que parece não ter fim. Só que elas crescem, e no meio deste caminho - tão preocupadas estão com a vida - esquecem a morte. Também, ninguém quer acabar com a brincadeira! Tem uma bola para perceguir, alguém para competir, uma mentira "branca" para contar e tornar-se o chefe da turma.
Todos querem lembrar dos sorrisos, das gargalhadas fáceis, dos olhares curiosos e movimentos furtivos. Aquelas cutucadas rápidas, cúmplices, e as subidas nas árvores. Lembrando disso nós fazíamos guerra de "xixi-de-gato". Para quem não sabe, esta árvore, tulipeira do gabão, (Spathodea campanulata) tem um botão floral em forma de bisnaga que contém água perfumada. Nós usávamos nas brincadeiras e o objetivo era esguichar o líquido um no outro, gritando: "xixi de gato!". A seiva provoca manchas amarelas nos dedos e na roupa, o que deixava nossas mães ligeiramente furiosas e nos faziam descer das árvores e tirar as bisnagas dos bolsos - diga-se de passagem: tarde demais!
Por isso crianças não pensam na morte. Elas estão preocupadas com a vida, com a próxima brincadeira, na visita à casa do amiguinho, com os possíveis castigos - (aliás, castigo e a chinelada é o que se pensa estar mais perto da morte). E nós, adultos, empurramos lá para o fundo da mente esta sombra impalpável, e nos agarramos aos bons momentos, cultivamos lembranças lindas e felizes e alimentamos nossos dias sombrios.
Mas será que a morte existe mesmo? Será que a ausência física pode apagar tantos anos de presença? Prefiro escolher um NÃO! Até nas cartas de tarô o esqueleto, mais comum símbolo da morte, pode ser uma mudança indesejada, uma guinada radical na vida, uma fase passageira que irá fazer você trocar de pele.Agora, pensando em um dos meus amigos de infância, que a vida teve o capricho de afastar fisicamente deste plano, tenho a sensação que nada vai afastar o laço que foi criado naquela infância agitada, junto com seus irmãos e irmãs. O amor não acaba nunca. Pessoas boas estão sempre presente em nossos corações. Choro sim, porque fico aqui e sinto ver a tristeza que foi gerada pelo vácuo da sua personalidade marcante. Lamento pela surpresa que foi sua partida, sempre pensamos que vamos durar para sempre e que nosso corpo é feito de pedra. Agora que somos adultos, deveríamos pensar em ensinar às crianças que a brincadeira acaba. Mas isso não iria servir para nada. Elas não entenderiam. Pois sua conexão com o divino é puro e sabem que nada se perde – talvez só umas bolinhas de gude! E quando penso em você, sua imagem é tão alegre que me faz sorrir, me dando um alento. A doçura de sentimentos que você deixou para mim é tão nobre, que só posso agradecer pelo tempo que tive o privilégio de conhecer você. Abraço uma das famílias mais lindas que já conheci: Seu Chico, Antonieta, Denilson, Ana Paula, Julieta, José Roberto, Francisco. Seu coração sempre foi nobre, cativante, íntegro. Coração de menino que trazia sempre alegria onde quer que fosse. Vai ver, foi por isso que ele parou de bater, porque a brincadeira acabou, era hora de descer da árvore e virar gente grande!

23 setembro, 2015

Conversa de Mulher







Leo Jaime, em seu livro “Cabeça de Homem”, escreveu que o “Clube da Luluzinha”, ou seja, conversa de mulher é maçante! Adivinha? Não gostei nada desse conceito! Mesmo porque ele ainda citou alguns temas das nossas conversas como o mundo “cri-cri” das crianças/criadas, onde comprar ou de como emagrecer, sendo prováveis temas “maçantes” quando nos encontramos.
Minha amiga querida você considera esse tipo de conversa entediante? Imagino que falar dos filhos, da dificuldade em encontrar uma boa ajudante para nosso dia a dia apertado, onde comprar TUDO, mais barato e melhor e emagrecer (ah, sim, falamos sobre engordar também!) pode ser o fim do mundo do tédio. Quem nos dera! Se esses assuntos fossem assim tão descabidamente entediantes todos os nossos problemas estariam resolvidos.
Mas não é só isso. Conversamos sobre o mundo, sobre carros, sobre os homens. Debatemos uma ideia ou várias para acabar com doenças (principalmente psicológicas) e tentamos solidariamente abraçar nossas irmãs de todas as formas para destruir com ferocidade todos os problemas.
Maçante? Nunca! Nem quando todas as minhas tias se juntam – e falam ao mesmo tempo – sobre tudo e sobre nada, entedia. Pelo contrário. Gosto de assistir ao relato da infância delas, as dificuldades, as virtudes. É maravilhoso poder fazer parte de um mundo tão distante do meu e ao mesmo tempo tão perto. É um privilégio observar seres tão ricos compartilhando um pouco das suas experiências de vida.
E a energia? Ah, a energia feminina, que brota lá de dentro, daquele útero que não só dá a luz às crianças, mas também dá luz ao equilíbrio do universo. E essa luz faz crescer e se expandir por todas as células, alcançando o coração e inundando a mente de ideias, criatividade, alegria e consolo. 
Quando nós, meninas, nos encontramos, é como se o tempo abrisse uma brecha única para deixar passar tudo o que carregamos na alma. E falar sobre tudo isso nos dá estofo. Compartilhar palavras com café e bolo nos dá resistência. Estar juntas em um único lugar, marejando os olhos com os sentimentos de sua amiga, é amor profundo, insubstituível.
E em minha opinião totalmente egoística, é por isso que as mulheres crescem mais rápido. Evoluem. Em uma proporção tão fenomenal que jamais algum homem vai entender.
Concordo que devemos aprimorar o convívio com os mundos masculino e feminino. Tentar aprender os segredos ou jeitos, um do outro e assim tornar nossa convivência mais equilibrada e inteligente. Mas ainda estamos muito longe de sermos perfeitos. Afinal, somos de Vênus, e eles, de Marte!
Temos sempre muito que aprender. E sempre, de alguma forma, ensinamos também. Mas, além do preconceito, semitismo, fascismo, homofobia, sectarismo, ascetismo, misantropia, niilismo, pragmatismo e violência de vários níveis, ainda prefiro o epicurismo e o humanismo. Não podemos perder nossa essência divina. Não podemos julgar e condenar nossas irmãs, que são fundamentais para nossa existência e sobrevivência e, também, devemos entender que nossos estimados homens só conseguem atingir o Nirvana na “caixa do nada”, com o controle remoto na mão. Aí sim, eu concordo com o autor do livro: isso deve ser muito chato! Ainda mais se tiver um filho "cri-cri" querendo colo ou comida ou simplesmente atenção!
Mas o fundamental é o respeito. Mulheres e homens são diferentes como homens são diferentes de garotos, de adolescentes e de velhos. E assim também é no universo feminino. Cada mulher, cada homem, tem sua bagagem, sua construção psíquica, seus traumas e valores. Generalizar? Muito difícil, mas muitas vezes é isso que fazemos descendo o martelo do juízo final condenando nossos irmãos e irmãs.
Ontem, reencontrei uma amiga que trabalhou comigo em um navio há mais de 4 anos. Quando nos vimos nos abraçamos e nos emocionamos. Embora não estivéssemos nos visto nesses últimos anos, o carinho, a cumplicidade, o amor estava ali. Mulheres são assim. Não necessitamos muito coisa para nos fazer feliz, se a semente é bem plantada e enraíza com respeito e sentimento sincero, é só deixar crescer que a amizade estará sempre lá!
E continuamos nossa narrativa - nada enfadonha - de nossas vidas: separação, mudança, casamento, um gatinho novo (de verdade), compra de carro, cirurgias, tratamentos, família, pai, mãe, sobrinhos, irmãos, viagens, reformas, trabalho, colegas - "Como é bom trabalhar com você"; "Senti sua falta"; "Você está muito bem."; "Vai me visitar."; "Vou sim, pode esperar."; "Vou esperar sim, só quero ver."
Claro que eu vou! Será um privilégio poder segurar seu filho um pouquinho e sentir que ele foi muito feliz e sábio ao escolher uma mãe como você!
Não entendo como os homens podem achar o papo da mulher maçante, tendo, todas nós, tantas responsabilidades. Maçante é termos que matar o mesmo leão todos os dias na louça que nunca parece estar limpa. "Acabei de lavar 5 copos e a pia está cheia, novamente!" 
Chato é ter que agarrar o pitbull pelo pescoço todos os dias explicando para seu filho pré-adolescente que ele precisa estudar, caso contrário ele vai ter 10% de oportunidade no mercado de trabalho, enquanto ele pensa no joguinho em seu celular de última geração. 
Cansativo é quando não conseguimos que nosso companheiro fale a mesma língua que nós, e temos que usar mais um artifício "inteligente" para que o interesse não desça ralo abaixo, como se fôssemos as únicas responsáveis por tudo que acontece no mundo.
Fala sério!!!!!

Curiosos