Nesses últimos anos o que parecia ser muito difícil para nós, que embarcamos em unidades de produção de petróleo, ficou ainda mais difícil. Aquela escala antiga de 14 x 14, que na verdade era 14 x 12 (deixa eu fazer um parênteses aqui para explicar essa situação) era bom e nós não sabíamos!
O regime
offshore nos submete a um embarque de 14 dias a bordo, onde ficamos embarcados,
trabalhando 12 horas por dia com mais 12 horas de sobreaviso. Isso significa
que se tocar um alarme ou o trabalho necessitar, temos que atender a demanda. Aqui
não existem shoppings, domingos ou feriados. A internet é muito ruim, o ruído
nos faz usar protetor auricular e o cheiro de gás normalmente entra pela
ventilação da acomodação e nos acorda com uma sensação de dor de cabeça e náusea.
É... e vocês aí pensando que nós velejamos! (risos)
Os outros
14 dias são da nossa “folga”. Nesses dias nós temos que recuperar o tempo em
terra para consultas, exames, visitas sociais, resolver problemas que ficaram
nos esperando e a demanda da família. Onde, normalmente, só queremos nos jogar
na cama, encher a cara de cerveja ou pegar o carro e desaparecer no mundo... é
bem assim!
Só que
esses 14 dias acabam virando 12. Um dia de viagem para vir para o trabalho e
outro dia para voltar para casa. Há muitos colegas que desembarcam de manhã e
chegam em casa meia noite. E lá se vai o nosso primeiro dia de “folga” no
deslocamento – com congestionamentos, voos atrasados, e algumas vezes uma chuva
ou falta de aeronaves que atrasam ou adiam nosso desembarque. Isso tudo faz
parte do nosso pacote!
Parece que
estou reclamando? Ah, só estou relatando fatos. A ideia romantizada daqueles
que trabalham offshore está longe de ser empática com a realidade. As fotos do
por do sol, do nascer do sol, da paisagem que é diferente todos os dias, dão
uma ideia de paraíso. Sim, o mar, a natureza, esse planeta maravilhoso é um
paraíso aos olhos, mas não para o físico ou o mental.
Retomando,
quando chegou a fatídica pandemia o horror emocional começou. Quarentenas de 15
dias em hotéis, sem poder sair ou ver ninguém que baixaram para 7 dias, 5, 4,
1, voltou para 4 e agora serão 2. Essa inconstância nas escalas e na nossa vida
nos tornaram mais escravos do trabalho – da empresa – do estilo gestor de ser,
ou não ser. Se antes éramos “recursos” agora somos números, de fato!
É impossível
planejar sua vida. É impossível prever ou querer fazer algo na “folga”. Tudo vai
depender do que vai acontecer com sua vida profissional que se tornou o centro
de tudo. Afinal, sem emprego, sem dinheiro, como sustentar a vida lá fora?
Somos
escravos em um regime velado que é ditado por organizações (humanas) que sequer
tem a noção do que fazemos ou como vivemos aqui. E para você que está lendo
isso, pode parecer muito mimimi, mas aqui, quem escreve, é uma pessoa que VIVE
neste mundo há mais de 18 anos. E agora, independente de quão capaz eu sou, do
quanto gosto de estar e trabalhar aqui, sinto que suportar essas exigências
desumanas não é mais possível.
A conclusão
é que não trabalhamos para viver, mas vivemos para trabalhar. E se levarmos em
consideração a origem da palavra trabalho, vamos ver que cada vez mais teremos
que lançar mão de ansiolíticos para continuar vivendo com um mínimo de
qualidade.
Trabalho
vem de tripalium, um instrumento de
tortura que tem três estacas de madeira afiadas. Trabalhar, significada “ser
torturado”. Que incrível! Se tivéssemos noção da origem das palavras que usamos
no nosso dia a dia, quem sabe faríamos algo para mudar.
Enfim,
torcemos agora para que a quarentena no hotel diminua ainda mais, porque cada
dia que passamos fora é como se removessem alguns grilhões da nossa alma.
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