Navegando...

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Trabalhamos embarcadas, offshore, dentro d’água, como queiram. As palavras para explicar essa maneira de ganhar a vida, ou ganhar o sagrado dinheiro para viver a vida, tem muitos nomes. Mas, o importante é o que se ganha na convivência. Neste mundo muito diferente, temos o privilégio da intimidade quando descobrimos a beleza no interior dos seres mais incríveis. Verdadeiros presentes em palavras pois é o que podemos aqui compartilhar. Pérolas que não vão adornar o corpo mas com certeza vão fazer crescer o valor da alma de cada uma de nós. Se nem tudo que se mostra é belo, não importa. Se percebermos o equilíbrio, vai ficar tudo bem!

24 setembro, 2015

Jose Roberto


Há muito tempo atrás, quando crianças, em Brasília, brincávamos juntos de pique-esconde, queimado, finca, cinco marias, corda, elástico, bicicleta, pipa. Sentávamos em círculos em baixo do bloco quando chovia e inventávamos brincadeiras. E nessas raras chuvas procurávamos poças d`água para catar girinos.
Criança sempre inventa. Criança tem aquele jeitinho flexível de se auto-organizar, pulando as barreiras da vida com uma energia que parece não ter fim. Só que elas crescem, e no meio deste caminho - tão preocupadas estão com a vida - esquecem a morte. Também, ninguém quer acabar com a brincadeira! Tem uma bola para perceguir, alguém para competir, uma mentira "branca" para contar e tornar-se o chefe da turma.
Todos querem lembrar dos sorrisos, das gargalhadas fáceis, dos olhares curiosos e movimentos furtivos. Aquelas cutucadas rápidas, cúmplices, e as subidas nas árvores. Lembrando disso nós fazíamos guerra de "xixi-de-gato". Para quem não sabe, esta árvore, tulipeira do gabão, (Spathodea campanulata) tem um botão floral em forma de bisnaga que contém água perfumada. Nós usávamos nas brincadeiras e o objetivo era esguichar o líquido um no outro, gritando: "xixi de gato!". A seiva provoca manchas amarelas nos dedos e na roupa, o que deixava nossas mães ligeiramente furiosas e nos faziam descer das árvores e tirar as bisnagas dos bolsos - diga-se de passagem: tarde demais!
Por isso crianças não pensam na morte. Elas estão preocupadas com a vida, com a próxima brincadeira, na visita à casa do amiguinho, com os possíveis castigos - (aliás, castigo e a chinelada é o que se pensa estar mais perto da morte). E nós, adultos, empurramos lá para o fundo da mente esta sombra impalpável, e nos agarramos aos bons momentos, cultivamos lembranças lindas e felizes e alimentamos nossos dias sombrios.
Mas será que a morte existe mesmo? Será que a ausência física pode apagar tantos anos de presença? Prefiro escolher um NÃO! Até nas cartas de tarô o esqueleto, mais comum símbolo da morte, pode ser uma mudança indesejada, uma guinada radical na vida, uma fase passageira que irá fazer você trocar de pele.Agora, pensando em um dos meus amigos de infância, que a vida teve o capricho de afastar fisicamente deste plano, tenho a sensação que nada vai afastar o laço que foi criado naquela infância agitada, junto com seus irmãos e irmãs. O amor não acaba nunca. Pessoas boas estão sempre presente em nossos corações. Choro sim, porque fico aqui e sinto ver a tristeza que foi gerada pelo vácuo da sua personalidade marcante. Lamento pela surpresa que foi sua partida, sempre pensamos que vamos durar para sempre e que nosso corpo é feito de pedra. Agora que somos adultos, deveríamos pensar em ensinar às crianças que a brincadeira acaba. Mas isso não iria servir para nada. Elas não entenderiam. Pois sua conexão com o divino é puro e sabem que nada se perde – talvez só umas bolinhas de gude! E quando penso em você, sua imagem é tão alegre que me faz sorrir, me dando um alento. A doçura de sentimentos que você deixou para mim é tão nobre, que só posso agradecer pelo tempo que tive o privilégio de conhecer você. Abraço uma das famílias mais lindas que já conheci: Seu Chico, Antonieta, Denilson, Ana Paula, Julieta, José Roberto, Francisco. Seu coração sempre foi nobre, cativante, íntegro. Coração de menino que trazia sempre alegria onde quer que fosse. Vai ver, foi por isso que ele parou de bater, porque a brincadeira acabou, era hora de descer da árvore e virar gente grande!

23 setembro, 2015

Conversa de Mulher







Leo Jaime, em seu livro “Cabeça de Homem”, escreveu que o “Clube da Luluzinha”, ou seja, conversa de mulher é maçante! Adivinha? Não gostei nada desse conceito! Mesmo porque ele ainda citou alguns temas das nossas conversas como o mundo “cri-cri” das crianças/criadas, onde comprar ou de como emagrecer, sendo prováveis temas “maçantes” quando nos encontramos.
Minha amiga querida você considera esse tipo de conversa entediante? Imagino que falar dos filhos, da dificuldade em encontrar uma boa ajudante para nosso dia a dia apertado, onde comprar TUDO, mais barato e melhor e emagrecer (ah, sim, falamos sobre engordar também!) pode ser o fim do mundo do tédio. Quem nos dera! Se esses assuntos fossem assim tão descabidamente entediantes todos os nossos problemas estariam resolvidos.
Mas não é só isso. Conversamos sobre o mundo, sobre carros, sobre os homens. Debatemos uma ideia ou várias para acabar com doenças (principalmente psicológicas) e tentamos solidariamente abraçar nossas irmãs de todas as formas para destruir com ferocidade todos os problemas.
Maçante? Nunca! Nem quando todas as minhas tias se juntam – e falam ao mesmo tempo – sobre tudo e sobre nada, entedia. Pelo contrário. Gosto de assistir ao relato da infância delas, as dificuldades, as virtudes. É maravilhoso poder fazer parte de um mundo tão distante do meu e ao mesmo tempo tão perto. É um privilégio observar seres tão ricos compartilhando um pouco das suas experiências de vida.
E a energia? Ah, a energia feminina, que brota lá de dentro, daquele útero que não só dá a luz às crianças, mas também dá luz ao equilíbrio do universo. E essa luz faz crescer e se expandir por todas as células, alcançando o coração e inundando a mente de ideias, criatividade, alegria e consolo. 
Quando nós, meninas, nos encontramos, é como se o tempo abrisse uma brecha única para deixar passar tudo o que carregamos na alma. E falar sobre tudo isso nos dá estofo. Compartilhar palavras com café e bolo nos dá resistência. Estar juntas em um único lugar, marejando os olhos com os sentimentos de sua amiga, é amor profundo, insubstituível.
E em minha opinião totalmente egoística, é por isso que as mulheres crescem mais rápido. Evoluem. Em uma proporção tão fenomenal que jamais algum homem vai entender.
Concordo que devemos aprimorar o convívio com os mundos masculino e feminino. Tentar aprender os segredos ou jeitos, um do outro e assim tornar nossa convivência mais equilibrada e inteligente. Mas ainda estamos muito longe de sermos perfeitos. Afinal, somos de Vênus, e eles, de Marte!
Temos sempre muito que aprender. E sempre, de alguma forma, ensinamos também. Mas, além do preconceito, semitismo, fascismo, homofobia, sectarismo, ascetismo, misantropia, niilismo, pragmatismo e violência de vários níveis, ainda prefiro o epicurismo e o humanismo. Não podemos perder nossa essência divina. Não podemos julgar e condenar nossas irmãs, que são fundamentais para nossa existência e sobrevivência e, também, devemos entender que nossos estimados homens só conseguem atingir o Nirvana na “caixa do nada”, com o controle remoto na mão. Aí sim, eu concordo com o autor do livro: isso deve ser muito chato! Ainda mais se tiver um filho "cri-cri" querendo colo ou comida ou simplesmente atenção!
Mas o fundamental é o respeito. Mulheres e homens são diferentes como homens são diferentes de garotos, de adolescentes e de velhos. E assim também é no universo feminino. Cada mulher, cada homem, tem sua bagagem, sua construção psíquica, seus traumas e valores. Generalizar? Muito difícil, mas muitas vezes é isso que fazemos descendo o martelo do juízo final condenando nossos irmãos e irmãs.
Ontem, reencontrei uma amiga que trabalhou comigo em um navio há mais de 4 anos. Quando nos vimos nos abraçamos e nos emocionamos. Embora não estivéssemos nos visto nesses últimos anos, o carinho, a cumplicidade, o amor estava ali. Mulheres são assim. Não necessitamos muito coisa para nos fazer feliz, se a semente é bem plantada e enraíza com respeito e sentimento sincero, é só deixar crescer que a amizade estará sempre lá!
E continuamos nossa narrativa - nada enfadonha - de nossas vidas: separação, mudança, casamento, um gatinho novo (de verdade), compra de carro, cirurgias, tratamentos, família, pai, mãe, sobrinhos, irmãos, viagens, reformas, trabalho, colegas - "Como é bom trabalhar com você"; "Senti sua falta"; "Você está muito bem."; "Vai me visitar."; "Vou sim, pode esperar."; "Vou esperar sim, só quero ver."
Claro que eu vou! Será um privilégio poder segurar seu filho um pouquinho e sentir que ele foi muito feliz e sábio ao escolher uma mãe como você!
Não entendo como os homens podem achar o papo da mulher maçante, tendo, todas nós, tantas responsabilidades. Maçante é termos que matar o mesmo leão todos os dias na louça que nunca parece estar limpa. "Acabei de lavar 5 copos e a pia está cheia, novamente!" 
Chato é ter que agarrar o pitbull pelo pescoço todos os dias explicando para seu filho pré-adolescente que ele precisa estudar, caso contrário ele vai ter 10% de oportunidade no mercado de trabalho, enquanto ele pensa no joguinho em seu celular de última geração. 
Cansativo é quando não conseguimos que nosso companheiro fale a mesma língua que nós, e temos que usar mais um artifício "inteligente" para que o interesse não desça ralo abaixo, como se fôssemos as únicas responsáveis por tudo que acontece no mundo.
Fala sério!!!!!

22 setembro, 2015

Hoje é um daqueles dias...


      Hoje é um dia daqueles, onde a gripe começa na garganta e sua voz fica cavernosa. E a tristeza vem com força debilitando não só o corpo mas a vontade... de tudo. Pode parecer meio depressivo mas é apenas uma fase da lua. E olha que ela está crescente!
      Mas é assim que acontece. Quando a febre se instala e o corpo quer reagir e não consegue. A mente dá voltas e se embola com os outros. Problemas alheios, no trabalho, em casa. Principalmente no trabalho. Aqui nesta ilha de ferro onde todos parecem muito próximos mas estão sempre tão distantes. Distantes de casa, de qualquer carinho, afastados de si mesmos, de todos. Encavernados em seus próprios mundos e querendo apenas um pouquinho do ouvido alheio.
      Nesse trabalho tão ortodoxo, verificamos que somos impotentes diante de tantos mandos e desmandos desses ditos chefes que deveriam ser competentes e só nos mostram maneiras disconexas para lidar com qualquer situação. Tem um aqui que é completamente descompensado. Uma pessoa que encontra problema na solução. Questiona tudo e o que está pronto ele desmancha porque é seu "estilo". Trabalhar com uma pessoa totalmente inconstante é absurdamente cansativo. Principalmente se for o chefe. E no fim das contas ninguém fala nada. A palavra dele sempre é a última (depois de dez minutos falando sem te dar oportunidade de argumentar).
     E ainda tem os absurdos, as injustiças, as discriminações. Vemos nossos colegas - bons profissionais - sujeitados à condenação sem julgamento. E estou falando do simples trabalho realizado indo até demissões injustas.
     Mas é assim que segue o curso da vida - mas não sei se concordo passivamente com isso. Em algum lugar dentro da minha mente tem um sininho que bate dizendo "tá errado"! Mas, o que fazer?
Choro. Fico tão triste, tão aborrecida que simplesmente choro. É assim que sinto a incapacidade de ação. Como agir? Como dar alento a alguém dizendo, "calma, tudo vai dar certo", se nem mesmo acredito nas minhas palavras e não confio no sistema em que trabalhamos / vivemos, passamos metade da nossa vida.
     Penso naquelas pessoas que jogam tudo para cima e vão viver no meio do mato, da selva, do nada, só para terem o prazer de não se aborrecerem com as altercações imbecis e desnecessárias do dia a dia. Covardes? Não! Corajosas! Assim pelo menos não vão deixar que pessoas incompetentes governem suas vidas e tão pouco suas vontades.
     Mas, para quem trabalha, para quem precisa trabalhar, lidar com o "chefinho" cheio de manias faz parte do pacote. E neste dilema de crise política, financeira e cultural que vivemos o mais importante é agradecer por, pelo menos, termos um emprego. Um trabalho onde o salário vem certinho no final do mês e o restante funciona razoavelmente.
     Ainda não aprendemos a viver de forma equilibrada. Ainda carregamos conosco a herança da cultura "reclamativa" e esquecemos de colocar nossa energia no presente, agradecendo cada segundo onde podemos fazer acontecer. Deixamos passar, principalmente, pessoas incríveis sem lhes dar o devido valor.
     Não temos que nos apoquentar com aquela pessoinha mal humorada que não nos valoriza. Provavelmente carrega uma bagagem cheia de tarja preta, fazendo mal a si mesmo. Se mudarmos o foco, vamos encontrar perto, muito pertinho mesmo, seres humanos com sorrisos sinceros, pessoas com um potencial para uma amizade infinita e aquele ali, quietinho, com um ouvido acolhedor e um abraço quentinho para afastar toda energia negativa.
     Por isso que, quando estou em um dia daqueles, onde nenhuma pílula milagrosa faz afastar a enxaqueca, lembro de gente de verdade. Gente que ri com você, que valoriza seus sentimentos e te aceita pelo que você tem. Se é bom ou ruim, não importa. Essas pessoas não julgam. Simplesmente estão ali, no mesmo barco que você (literalmente) e te entendem. E te apoiam e te dão um pedacinho do coração delas se o seu engasgar em uma batida.

09 janeiro, 2015

Diário de Viagem - Buenos Aires - 2012



Depois de uma conversa boa daquelas, em cima da minha cama, eu e Emanuelle resolvemos da um tempo neste mundo e viajar. Para onde? Buenos Aires? Vamos? “Já estive lá e é muito legal. Na época, junto com Miriam, nos divertimos muito. Foi tudo muito incrível e quero te mostrar os lugares que visitei.”
Então vamos! Viagem decidida, marcamos a data, compramos passagens. Trabalho concluído, famílias comunicadas, hotel agendado, malas arrumadas. Dr. Google sabe tudo. Pesquisamos clima, lugares a serem visitados, transporte, câmbio.
Nos lançamos em uma aventura com precedentes, sorrisão no rosto e gargalhadas de plantão na bolsa para serem sacadas sem discriminação de 22 à 29 de outubro.
Buenos Aires é cinzenta. Um estilo antigo onde poderia ser rodado um filme vampiresco com atores desconhecidos, ou não. Tem uma aura, uma bruma escondida que zomba de nós. Parece uma senhora bruxa, com uma capa muito longa que esconde o rosto em um capuz.
Logo que chegamos tentamos trocas nossos reais por pesos e descobrimos que os as filiais dos bancos brasileiros não estavam funcionando. Fomos à casa de câmbio e comecei a cultivar uma decepção com a cidade que já começava a se mostrar estranha para mim.
Enquanto caminhávamos na rua paralela à 9 de Julio vários homens nos cercaram gritando ofertas de almoço, janta, câmbio e compras suspeitas. Melhor pegar um mapa e decidir o quê visitar.
La Recoleta – O cemitério onde Eva Perón é visitada todos os dias por dezenas de pessoas teve um novo sentido. Manu ficou encantada com as inúmeras estátuas de anjos que se espalham em todas as direções. Resultado: fotos de todos os lugares em todos os ângulos! O clima estava bom, o céu cheio de nuvens e a luz do sol parecia estar atrás de uma cortina. Muito sinistro! Ficamos horas fotografando gatos que posavam para nós. Sim! Gatos de verdade. Amarelos, cinza, rajados, velhos, estropiados, brancos, pretos, preguiçosos, desconfiados. Mas nenhum deles parecia esfomeado. Por que será?
E os anjos que nos olhavam com seus olhos cegos nos faziam silenciar e pensar que, afinal, cemitérios também tem beleza. E mistérios! Os leões, as gárgulas, aquelas asas quebradas com flechas apontando para o alto. No limo entranhado nos moldes, tão antigos, tão abandonados, que davam às formas sombras espectrais, iam captando nossa atenção, colocando nossos olhares por trás das lentes das câmeras, enveredando em um universo extraordinário que foge ao nosso entendimento.
Nós duas nos encontramos perdidas entre túmulos de pessoas desconhecidas e encontramos uma parte nossa que estava perdida. E quando nos ajoelhamos dentro da Igreja de Pilar, aos pés da imagem de Jesus, o Cristo, serenamos. Ele é nosso irmão. E uma magia muito louca nos abraçou. E rimos diante da revolta absurda de um mundo tão injusto. E, é claro, fizemos aquela mandinga antiga de fazer três pedidos sempre que se entra em uma igreja pela primeira vez.
Temaiken – Este parque foi um erro que deu certo. Na verdade queríamos ir para Lujan. Resolvemos visitar os leões e os tigres e saímos empolgadas. Pegamos o metrô, falamos nosso portunhol de todo dia e conseguimos comprar as passagens para o parque. Visitamos todos os buraquinhos onde os bichos estavam e tiramos fotos. Muitas fotos! E só na saída descobrimos que Temaiken não tinha leões. Eles estavam a 30 km da cidade!
Depois desta decepção engraçada ainda descobrimos que os turistas são tratados com um diferencial monetário. Tudo é muito mais caro. Uma garrafa de água de 200ml custa 30 pesos, o equivalente a 15 reais. Fiquei com vergonha e pensei, será que no Brasil isso também acontece? Vemos um “gringo” e resolvemos ganhar em um dia o que ganhamos em um mês? Feio. E muito pobre esse comportamento. A corrupção tem raízes profundas na construção psicológica de um povo. E parece que não vamos nos livrar disso tão cedo.
Pelo menos a fotos ficaram lindas! Arigatô, Nikon-san!
Zoológico de Lujan – É uma fazenda-parque onde leões, tigres e gatinhos de grande porte são criados mamando em cadelas e brincando com gatinhos de verdade (???). Assim eles são tecnicamente domesticados e convivem com os bichos homem/mulher sem querer cravar os dentes em suas jugulares.
O lugar fede. Desculpem-me, cheira muito mal. Imaginem uma área aberta onde patos, marrecos, gansos e afins ficam soltos o tempo todo, passeando entre as pessoas, atacando suas bolsas – sim! Eles nos atacam procurando comida! – entre gatos, cães, passarinhos, pombas e... (usem sua imaginação olfativa!).
Mas tudo é esquecido quando se tem a oportunidade de tocar em um animal que, geralmente, só vemos na televisão, a uma distância muito segura. O cuidado ao entrar nas jaulas desses animais é extremo. Embora tivemos a nítida impressão que todos eles estavam dopados, foi muito emocionante poder posar ao lado de um leão de 200 quilos – com as mãos nele!
Manu deitou no chão, com a cabeça na barriga de um tigre, toda feliz. Na verdade eram tres tigres – completamente apagados! Quando eu passei a mão na cabeça de um deles os treinadores gritaram: “Na cabeça, não!” – tarde demais! O animal sequer piscou. Manu bateu a foto, rápida! Como não passar a mãos na cabeça de um bichano? Gente doida!
Na saída, no final da tarde, novo aborrecimento. É preciso ter muito cuidado com as informações que se recebe aqui. Cada um tem um livro de regras diferente e ninguém conhece a alheia. Na vinda pagamos dez pesos cada passagem. Perguntei três vezes ao motorista/cobrador/informante se poderíamos voltar com o mesmo transporte pagando a mesma quantia. Ele disse: “Sí. Sí. Usted tiene que pagar con diez monedas.” Felizes, passamos o dia no zoológico passeando de camelo, passando a mãos nas trombas dos elefantes, driblando os patos (e afins), fotografando lhamas e focas, e colocando filhotes de leões no colo.
E, surpresa! Depois de esperar meia hora pelo ônibus, eis que o motorista não nos deixou entrar porque a passagem não era dez pesos mas TRINTA pesos! Madre de Dios Santo! Discuti com o motorista, nem me lembro o que disse. Só sei que, furiosa, encontrei os olhos da Emanulle, entre espantados e divertidos. Ela me disse: Gente! Eu não sabia que você sabia falar espanhol tão bem!”. Foi minha vez de ficar espantada. Eu? Falando espanhol? Bem? Ri. Quando nos aventuramos em terras desconhecidas é preciso levar na bagagem muita paciência e deixar a caixa de expectativas em casa. Assim não nos decepcionamos e podemos resolver os problemas com mais racionalidade. Porque no auge da raiva podemos fazer coisas inusitadas até falar bem espanhol!
Feira de San Telmo – aqui é outro mundo! Uma espécie de fenda intra temporal onde tudo é nada e nada é tudo. São coisinhas lindas e feias. Para todos os gostos e desgostos. Você encontra o desnecessário e necessariamente se encontra inundada por inutilidades que você precisa ter. Vários universos de possibilidades. Humanas e materiais.
Onde uma estátua humana de um homem todo branco pega na sua mão com tanta gentileza, te olha no fundo dos olhos e beija seus dedos suavemente. Te dá o braço e te permite acompanhá-lo em uma caminhada imaginária, capturada na fotografia fria. E te agradece, tendo você dado a moeda ou não, com um sorriso enigmático que diz: “você jamais vai me esquecer!”
Teatro Colón – que maravilha. A apresentação que assistimos de uma solista tocando o violoncelo foi emocionante. A arquitetura, a história, o som. Como se estivéssemos hipnotizadas, deixamos que as notas tomassem conta da nossa corrente sanguínea e bombeassem nossos corações no ritmo do arco. Definitivamente ali, nos sentimos outras. E, melhor, como se pudéssemos ser quem quiséssemos. Tanto, que enquanto andávamos na calçada do Teatro dois casais passaram, nos olharam e disseram: “Españolas”.
São momentos como esses que colocam em xeque nossos limites. Não há fronteira para nossos sonhos. Não há beirada de precipício que nos impeça a caminhada. Basta saber de que maneira você alçará voo.
Show de Tango – Assistir um casal dançando tango mexe com todas as células do seu corpo. Dá vontade de levantar, ser rodopiada, agarrada, olhada, despida, amada. Depois de um jantar regado à gentilezas concedidas à damas, assistimos os casais executarem aqueles passos intrincados, ensaiados, com tanta naturalidade que tenho a impressão que eles já faziam isso no útero da mãe, enquanto ficavam ali, esperando a hora de nascer, sem nada para fazer.
É um deleite visual e sonoro e queremos que seja repetido em câmera lenta, para ficar gravado no tempo suspenso, infinito. Mas acaba, infelizmente. Mas quando olho as fotos, sou buscada pelo momento passado e posso ver nos olhos do dançarino a malícia sedutora com que olha sua dama, com a mão na sua cintura, inclina seu corpo para trás e deixa pairando no ar o beijo que não acontece, a milímetros da sua boca. E ela, lânguida, suspira e se deixa trazer de volta para mais um giro.
A cidade – andamos muito, compramos lembranças, futucamos lojas, e tentamos fazer um lanche o que se revelou uma grande frustração. Cansadas de tanto andar, com fome e doidas por um banho, resolvemos comer primeiro e depois voltar para o hotel. Entramos na fila no McDonald’s e esperamos. Chegou nossa vez, fizemos o pedido. Na hora de pagar, a confusão! Aquela não era a fila para pagar com cartão de crédito. Discuti com a funcionária porque eu estava vendo a máquina ao lado dela. Ela me mandou para o outro caixa onde a fila dava a volta no quarteirão. Hilário. Quarteirão com queijo foi o meu pedido. Iria ficar sem o queijo pelo jeito. Eu sei que desistimos da compra e rumamos para o Burger King. Quando entramos na loja nos olhamos com a mesma pergunta no olhar: “Por que aqui está vazio?” Continuamos a rir, sim porque na saída do McDonald’s, frustradas e mal humoradas, ainda conseguimos fazer piada com a atendente numa mistura de significados entre “tarjeta”, “careta”, e outras palavrinhas sórdidas, nas duas línguas, que vão acabar em rimas que todas conhecemos.
Fomos bem atendidas. Pagamos com cartão de crédito. Jantamos. Voltamos para o hotel, tomamos banho e nos atiramos na cama para ler – acreditem – Cinquenta tons de Cinza. E continuamos a rir muito com as personagens e seus conflitos sexuais psicológicos. Ah, la vida es mui bela!
Caminhando pela 9 de Julio fui atacada por um típico bandido pé de chinelo que tentou arrancar um cordão do meus pescoço. Ouro falso. Mas o susto foi dele. Agarrei o braço da criatura e não o larguei. Ele arregalou os olhos que estavam exatamente na linha dos meus, e tentou puxar o braço. Segurei firme. Como não luto nada, não tenho reflexos apurados desenvolvidos pelas artes marciais nem meu corpo é condicionado para reagir neste sentido, fui pega de surpresa e fiquei suspensa entre e o choque de ser violada e o não saber o que estava acontecendo. Em fração de segundos entendi. E ele se apavorou. Conseguiu se soltar de saiu correndo, cambaleando. Atropelou um conterrâneo que vinha na direção contrária e caiu no chão. Eu, Manu e mais ou menos umas trinta pessoas na rua ficamos olhando o pobre-diabo-coitado se afastando, frustrado e com medo.
Sua tentativa de assalto à mão desarmada não funcionou comigo. Enquanto ele se afastava eu ainda consegui ouvir pessoas xingando, gritando, pedindo por Deus, perplexas! Eu fiquei parada, olhando-o se afastar, com vontade de ir atrás dele e arrancar aqueles olhinhos pretinhos daquela carinha inexpressiva dele.
Depois ouvimos relatos de brasileiros e outros turistas que passaram pelo mesmo problema. Com a mesma tática. No outro dia, passando pela mesma calçada eu o vi, sentado ao pé de uma estátua, observando as pessoas passarem. Eu olhei para ele e o vi levantar-se e seguir para a entrada do metrô. Me reconheceu.
Em nenhum lugar do mundo passei por uma experiência assim. As marcas da mão esquerda dele ficaram no meu colo, onde ele tentou arrancar o cordão. Eu entendo quando as mulheres são agredidas e correm para tomar um banho. Foi o que eu fiz. A água é o bálsamo que lava aquela energia negativa que invadiu o nosso espaço sagrado e violou o nosso corpo. Queremos apagar as marcas, o toque, o suor, a sujeira que entrou sem ser convidada.
Mas a vida segue seu curso e tudo faz parte de um grande equilíbrio. A beleza pode ser encontrada em qualquer lugar, basta saber olhar. A Casa Rosada, pombos voando em todos os lugares; a Floralis Generica e seus esquilos. Árvores imensas, sozinhas, sombreando uma enorme praça. Estátuas pichadas, abandonadas, representando tantas coisas que ninguém se interessa mais. Prédios antigos, belos gigantes arquitetônicos, espremidos entre o metrô e o vai e vem das pessoas que sequer olham para cima.
Passamos sete dias diferentes, experimentamos humores, lugares, roupas. Compartilhamos dores, risadas e comemos bem. Gastamos dinheiro, compramos qualidade de vida. Despimos alguns conceitos, nos vestimos com felicidade. Achamos a cura para doenças antigas e abandonamos fórmulas ineficazes.

Viajar é sempre descobrir caminhos internos.

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