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Trabalhamos embarcadas, offshore, dentro d’água, como queiram. As palavras para explicar essa maneira de ganhar a vida, ou ganhar o sagrado dinheiro para viver a vida, tem muitos nomes. Mas, o importante é o que se ganha na convivência. Neste mundo muito diferente, temos o privilégio da intimidade quando descobrimos a beleza no interior dos seres mais incríveis. Verdadeiros presentes em palavras pois é o que podemos aqui compartilhar. Pérolas que não vão adornar o corpo mas com certeza vão fazer crescer o valor da alma de cada uma de nós. Se nem tudo que se mostra é belo, não importa. Se percebermos o equilíbrio, vai ficar tudo bem!

02 outubro, 2020

Saudade


Sinto falta de você comigo.

Da emoção, da provocação, daqueles momentos castos onde tudo era implicância.

Engraçado como se quer a separação e no momento que acontece, tudo parece que foi em vão: os gritos, as impaciências, a chatice, as incoveniências.

Mas era bom. 

Rir com você.

Provocar seus olhares aparentemente surpresos.

Você nunca se entregava. 

Nunca deixou aquela força-agressiva deixar você por completo.

Não existia doçura - só verdade. 

E a verdade não traz amenidades. 

Traz apenas a vida crua.

Mas você ainda me ensinou a não ter medo.

Por isso o próprio espanto quando me postava verdadeira à sua frente. 

E a luta recomeçava.

Durou esta vida toda e provavelmente vinda de outras. 

Mas, no fim, as espadas foram embainhadas.

Os escudos caídos no chão.

A batalha interrompida, espero, acabada!

Talvez exista um próximo encontro, numa ravina verde, embaixo de uma árvore, onde possamos continuar aquelas infindáveis conversas.

Quem sabe com um café, uma sopa.

Um cão ou um passarinho por perto.

Ouvir sua risada, aquele olhar que tudo sabia, sendo provocado novamente.

E, no fim, só um abraço.

Não daqueles duros, que você não sabia dar. 

Mas um que viesse do coração, onde eu pudesse ouvir, só por uma vez, você dizer: 

Eu te amo!


15 julho 2020

09 março, 2020

Era uma vez...



         Era uma vez um rapazinho magro, com os olhos cheios de curiosidade, que nasceu no interior do Rio Grande do Sul, lá pelas bandas de Inhacorá. Desde cedo ele já observava os bugres na fazenda, atolando as vacas no brejo quando seu pai não estava em casa, para poder comerem a carne. Sua mãe, mulher trabalhadeira e sozinha com oito filhos, não tinha como resgatar as vacas, então as entregava aos índios. Sua memória prodigiosa lembra que, quando sua mãe colocou os oito filhos na carroça para sair "dauqele fim de mundo" rumo à Itaqui, foi sentado na parte de trás, balançando os pés e comendo a galinha com farofa, que ele tirava de dentro de uma lata – escondido, claro! Já nem tinha sete anos e me contou, com um sorriso no canto da boca, que jogava os ossos na estrada, para que sua mãe não visse.
        Coisa de criança, certamente, que ele quase não teve tempo de viver. Desde muito cedo fazia contrabando no rio Uruguai, atravessando com a chalana, remando noite a dentro com sua companheira de contravenção, Maria. Nessa luta diária e noturna para sobreviver, vendeu laranjas, picolés, e tudo o que poderia ser transformado em dinheiro. Corria nas ruas descalço, conhecia todos os “meganhas” (policiais), dormia em baixo da mesa, apanhava dos mais robustos, mas nunca levou desaforo para casa.
         Quando sua irmã Linar deu a ele todas suas economias para a compra de um par de sapatos, para que ele pudesse comprar uma passagem para se alistar na Marinha, sua vida mudou.
       O mar, a itinerância, o desconhecido, a liberdade, deram a ele o reconhecimento da sua alma. Viajou, trabalhou, foi requisitado e reconhecido; administrou, aprendeu que não se discute com superiores; acatou ordens estúpidas e foi condecorado; liderou, conspirou e construiu uma personalidade forte e inflexível – um sobrevivente.
      Esse rapazinho que poderia ter morrido várias vezes teve um anjo da guarda também marcado por batalhas. Não adoecia, não esmorecia, não desistia.
         Apaixonou-se em março e casou-se em dezembro contrariando sua própria natureza. A família deu a ele um sentido de responsabilidade e fidedignidade que já estava lá, em algum lugar, esperando para ser resgatado. E assim, foi a vez de desempenhar o papel de pai, marido e amigo de forma muito boa, porque afinal, não existem regras nem manuais que definam o que fazer com três crianças. Mas ele tinha o fundamental: força de vontade!
      Não faltaram presentes no Natal nem as viagens anuais. Livros, música, dança. Humor, animais dentro de casa e a cobrança de responsabilidade. Nunca faltou comida e conversa. Nunca faltou correção e sinceridade. Hoje, pensando naquele rapazinho que se transformou em um homem, eu queria um pouco mais de tempo.
      Mas o tempo é relativo – aqui e lá – mas, para aquele rapazinho do interior que teve uma sorte danada de singrar mares desconhecidos, oitenta e sete anos foi um tempo considerável!
        Como ele mesmo me disse, à mesa, durantes incontáveis refeições: “Eu poderia ter morrido várias vezes”. E eu sorria, e dizia: “Pois é, Tetéia! Você não morreu porque tinha que estar aqui, neste momento, contando tudo isso para mim. E também, porque eu precisava nascer!”
     É um privilégio ter conhecido esse rapazinho muito forte – física e espiritualmente – e ainda ser filha dele e, no fim, ainda ser testemunha do crescimento de sua alma.
         E assim, depois de um ano sem sua presença física neste plano, tenho certeza que sua história não chegou ao fim, pois ainda podemos viver felizes para sempre com seu amor pela vida – extraordinário!

Curiosos