Navegando...

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Trabalhamos embarcadas, offshore, dentro d’água, como queiram. As palavras para explicar essa maneira de ganhar a vida, ou ganhar o sagrado dinheiro para viver a vida, tem muitos nomes. Mas, o importante é o que se ganha na convivência. Neste mundo muito diferente, temos o privilégio da intimidade quando descobrimos a beleza no interior dos seres mais incríveis. Verdadeiros presentes em palavras pois é o que podemos aqui compartilhar. Pérolas que não vão adornar o corpo mas com certeza vão fazer crescer o valor da alma de cada uma de nós. Se nem tudo que se mostra é belo, não importa. Se percebermos o equilíbrio, vai ficar tudo bem!

06 dezembro, 2013

Diario de Viagem - JAPÃO - Primeira Parte


De 02 à 28 de outubro de 2000 eu e mais quatro brasileiras tivemos a oportunidade de visitar o Distrito de Canagava e conhecer dez cidades. Narita (Chegada - Aeroporto em Tokyo), Fijisawa, Hiratsuka, Isehara (Tokyo), Odawara, Yugawara, Sagamihara, Ebina, Yokosuka, Kamakura, Narita (de volta pra casa). Aqui um pouquinho das minhas impressões.
  
Dois de outubro
Saindo do aeroporto Salgado Filho às 5h30 em Porto Alegre. O pessoal foi chegando, Kipper, Carla, Mari, Ihoko e eu. Abraços e beijos, e meu pai implica com meu cabelo – ele parece mais nervoso que eu!

Chegamos em Los Angeles. Estamos contra o tempo, engraçado isso. Quem disse que não podemos viajar no tempo? Esperando, num lugar bonito e cheio de gente feia. Todos vão para todos os lugares. Temos que esperar por mais ou menos uma hora. Estou com sede e não tem café por aqui. Como se pode viver sem café? O pessoal queria beber chimarrão, mas a cuia ficou em uma das malas. Acredito que isso também não seria possível, afinal, tudo pode virar ataque terrorista neste país. Imagine, uma cuia de chimarrão, bomba e erva! Um verdadeiro molotof!!!


Três de outubro
Chegada em Narita. A passagem na imigração foi rápida. Carimbaram e olharam os passaportes. Não revistaram nossas malas. Elas devem ser verificadas antes por um raio-X poderoso, com certeza. Quem em sã consciência iria deixar estrangeiros entrarem no país sem verificar possíveis terroristas? Esse pensamento também é terrorista.
Assim que colocamos os pés no aeroporto o cheio de molho shoio inunda as narinas. Incrível! As malas da Carla e a minha não apareciam nunca. A recepção pelos rotarianos foi engraçada. Todos distribuindo cartões pessoais.

Fui apresentada a nossa intérprete, Mariko Yamaguchi. Eu olhei para ela com os olhos arregalados e, se ela percebeu alguma coisa não falou nada. Na janta, mais tarde, contei para todos sobre o meu gato preto angorá que se chama Yamaguchi. Mostrei a foto dele e foi um Óh! Geral! Se foi positivo ou negativo, melhor deixar pra lá!

Quatro de outubro
No primeiro hotel o quarto é bem simples mas tem de tudo. Frigobar, televisão, rádio, despertador, telefone, abajur e um colchão maravilhoso, uns quadros esquisitos na parede. Arte, ou o que seja! Também, depois de uma viagem contra o tempo de 32 horas, qualquer colchão é maravilhoso. A banheira é enorme com chuveirinho. Eu, muito esperta, prendi o chuveiro na parede e virou chuveiro de verdade. Eu e Mari fofocamos até às 1h40 da manhã, mas que na verdade é 1h40 da tarde no Brazil. Já estou com saudade de casa. Tudo aqui é diferente, mas é tão igual.
No primeiro jantar com os japoneses, Yoko e Carla pediram curry; Mari e eu pedimos sanduiche de carne (veio crua). O prato da Carla estava muito apimentado. Foi difícil. Eles  gostaram quando experimentamos o saquê de arroz. Aqui o gosto é diferente. Parece vinho. 

Cinco de outubro
Passeamos de manhã e tiramos fotos. O café foi fantástico. Ovos pochê com galinha e salsichas feitas de maneira que ninguém acredita. Eu escrevi o hino do Brasil e nós treinamos. As gurias fizeram chimarrão enquanto organizávamos o dia.
Eles ficaram impressionados com o tamanho das nossas malas. O pior é que elas estão pesadas de tanto papel. A Mari tá com uma alergia de alguma coisa que ela comeu, claro! Eu to bem até agora. Quando fizeram nossa festa de boas vindas eles nos desejaram “boa saúde” até o final da nossa estada. Será por quê? Deve ser porque eles nos entopem de comida o tempo todo! É doce, salgado, café, água, o tempo todo. Eles são ótimos. Alguns meio tarados. Também, 4 mulheres em um grupo completamente diferente, chama a atenção até dos santos!
Eu tento falar esta língua malvada, mas é complicada. A minha primeira anfitriã é maravilhosa. Ela tenta falar inglês, mas sai meio quebrado. Quando eu repito o que ela diz ela fica impressionada e diz que tenho ótima pronúncia. Quando perguntei sobre sua religião e ela disse Seicho-no-iê e eu disse que conhecia, ela ficou emocionada. As pessoas se emocionam com tudo por aqui. Eles dizem Ides-né! Ides-ka! Seria algo tipo “É mesmo?” “Caramba!” Falamos sobre o Cristo Redentor e eu expliquei o que significava. É uma viagem fantástica.
Eu tenho a impressão que as coisas aqui são bem novas, como se estivessem me esperando. Ou talvez seja assim mesmo que eles vivam. Hoje na reunião de preparação eles nos colocaram as regras sobre “gastos” – eles têm dinheiro mas é tudo muito caro. A minha anfitriã me deixou usar a internet para mandar um e-mail e me disse que no mês passado ela gastou 10 horas e pagou trinta e cinco dólares.
Eles tem um cachorro. Faruko. Me adorou! O dono dele tá com ciume. 

CERIMÔNIA DO CHÁ
O treco tem cheiro de capim de vaca ruminado misturado com aquele cheiro de curral e a mulher disse que pagou muito caro por ele. Vai ver quanto mais cheiro de xixi de vaca, mais caro. O chá é feito um de cada vez nas cumbucas. Levado por outra pessoa, você recebe, faz a reverência, pega com uma mão dá duas voltas na cumbuca depois de colocar sobre a cabeça – pode beber!

Conhecemos uma figura interessante hoje, uma koreana que é uma vergonha. A maquiagem que ela usa me lembra os artista que dançam no Kabuki. Horrendo!

Eles estão nos comparando com os americanos que os visitaram no mês passado. Perguntam-nos o tempo todo se estamos cansadas. Eles disseram que os americanos quase morreram com tantos compromissos. Estão impressionados com nosso pique!

Seis de outubro
Visitamos um parque hoje e tiramos fotos. Batemos sinos para casar, para saúde. Subimos numa torre e caminhamos entre lindos jardins. É uma ilha, esqueci o nome. Não sou muito boa com nomes. Aprendi que háchi é pauzinho e hachí é ponte.
Visitamos o prefeito e ganhamos bonecas e alguns papéis. Fomos levadas a sala de reunião dos vereadores e eles nos explicaram como funciona o trabalho aqui. Os vereadores são pagos para trabalhar e trabalham de verdade. Ganham 6 mil dólares e tem que largar o emprego para fazer só isso. Eles discursam mas o texto é pré escrito e eles não podem sair fora da linha. Imaginem esse tipo de política no Brasil!

Entrevista com professor de Educação Física - Ele trabalha numa escola primária e dá aula de ginástica, natação, baseball, basquete e vôlei. Ele trabalha mais ou menos 40 horas e ganha 4mil e 500 dólares por mês. Ridículo se comparado ao meu salário. Eles deram risada quando contei quanto eu ganhava (900 reais por mês, 40 horas por semana). Humilhante! As aulas vão das 8h30 às 5 da tarde. A escola é linda, organizada, limpa e ninguém pode entrar de sapato lá dentro. Melhor não comentar sobre o Brasil! "Amigos da escola"!

Depois foi a entrevista da Carla com um agricultor. O que mais me chamou atenção é que eles não vão para faculdade. Eles se especializam através de cursos de plantação, agronomia ou agricultura.

No final do dia, Harada-san me trouxe até a casa da “Tchuco” e me deu uns hachis lindos! Ele é fabricante de hachi. O inglês dele é sofrível, mas nós nos entendemos muito bem. Ele é super simpático. Tem uma energia muito boa. É cuidadoso e atencioso comigo. Eu disse que os japoneses são muito inteligentes porque conseguem ler dois alfabetos e ele me mostrou 3 alfabetos em japonês. Antes ele me levou ao ginásio municipal para ver a biblioteca, sala de ginástica com tudo possível.
Um mestre de Kyudô fez uma apresentação exclusiva para mim. Fiquei impressionada!
Ele entra na sala, cumprimenta o alvo, nos cumprimenta. Caminha até o meio, se ajoelha com o arco e duas flechas. O arco é enorme, dá 2 dele. Ele levanta, gira para o lado esquerdo voltado para o alvo, se ajoelha, coloca o arco na frente com a aste virada para a mão direita. Pega o fio e gira o arco. Coloca a flecha. Primeiro e ajeita a ponta, segura nos dedos. Depois ajeita a parte de trás da flecha. Coloca a outra flecha virada ao contrário. Levanta. Segura o arco com os braços semi estendidos, deixa a 2ª flecha na mão, estica a haste e depois o fio. Ele segura a flecha bem longe do corpo e tenta mirar o alvo. Depois de lançar a 1ª ele repete o ritual com a 2ª. Ele atirou 4 vezes e não acertou. Ficou furioso. Eu não tive tempo de agradecer. Quando as coisas não saem com o planejado, eles são bem mal educados. 

Eu ando tensa a maior parte do tempo. Existe uma espécie de formalidade no ar o tempo todo. Ficamos com medo de fazer algo errado e... somos observadas e fotografadas. Temos que ter cuidado com as poses inusitadas!

Fomos a um restaurante italiano. Eu crente que ia comer macarrão e o diabo veio com peixe. O pior é que eu achei que ia comer carne com massa e o tal do intérprete convidado me pede quase meia galinha que eu tive que comer com pele e tudo. A gente passa por cada uma! Se os italianos soubessem o que o japonês está fazendo com a maior invenção do mundo, depois da roda, eles anunciariam a próxima guerra mundial!

Koyo-san tomou uma garrafa de vinho e começou a me olhar de jeito estranho. Me levou pro karaokê e me fez cantar garota de Ipanema e My Way. Eu tentei me esquivar e deu certo. O outro também tentou dar uma chegadinha. Mas acredito que minha cara de poucos amigos freou as investidas. Hoje eu tive medo de dormir sozinha. Tomara que as meninas estejam bem. Amanhã tem café da manhã especial. Adivinha? Comida japonesa!









Sete de outubro
Ai! Que desastre! Jantar num restaurante japonês. Apresentaram-me o sushi. A mesa muito linda, com os pratos dispostos em uma ordem única. Em três fileiras, primeiro vem, da esquerda para a direita, peixe frito (tempura) ovo batido (uchi) macarrão (udom). Na segunda fileira, no centro, o molho depois o peixe cozido (sunomonô) e mais um molho (suma). Na terceira fileira o peixe cru (tirachidish sushi), mais molho, e mais tempero (iacumi). Come-se com hachi. São mais ou menos 20 tipos de suchi. Missochiru é a sopa – maravilhosa! Mói o grão e deixa dormir para fazer a sopa. Não podemos esquecer que suchis são caros. Os mais baratos depende do peixe. A maioria das receitas é elhor nem perguntar como se faz! Fizeram-me comer tudo. Afinal, temos que experimentar. Nunca se sabe quando vou voltar ao Japão novamente.

Hoje fomos passear de helicóptero e almoçamos na base aérea uma batata assada com um filé maravilhoso. Depois fomos à universidade de veterinária, agronomia e biociências. Vimos vacas e tecnologia. O cheiro é terrível. Elas ficam confinadas, afinal, 2/3 do Japão é feito de vulcão e não há espaço para pasto. Essa gente é incrivelmente criativa!

Visitamos Tokyo e ganhamos muitos presentes. Tiraram fotos nossas o tempo todo. É impressionante. Fomos a um grande templo e acendemos incensos, colocamos numa grande fumageira e passamos a fumaça na cabeça para dar mais inteligência - (como se isso fosse possível, mas, acreditar não faz mal!). Precisamos mesmo aprender japonês. Principalmente para ler esse monte de traços e anexar sons a eles. Acho que essa quantidade exagerada de peixe que estou comento está me dando alergia.

O almoço foi sinistro. Nos levaram a um restaurante de 200 anos. Comemos enguia ensopada e um peixinho cozido numa panela de ferro com ovo. Adivinhem... o preparado é feito 3 dias antes e as enguias e os peixinhos são jogados dentro com tudo o que tem direito... isso mesmo! Come-se com um pauzinho!
 Nove de outubro
Dia cansativo. Choveu a manhã toda e a Tchuco quase deu um treco de nervosismo quando nós nos perdemos e ficamos esperando no hotel. Ela estava tremendo. Eles são extremamente pontuais até quase beirando a loucura. Fomos a uma academia de ginástica bem modesta! 3 quadras de tênis e lugar para treinar golf com 2 piscinas internas com 25m. Uma com 3 raias e outra com 6. Sala para massagem e acupuntura. Sala de espera para relaxar. Tudo muito básico.

Visita a casa do Yoshida House - Esta casa só é aberta pra visitantes ilustres (me arrepiou toda! Kkk). Jardins exuberantes e um templo com a foto dos sete duques – embaixador na Inglaterra após a era Shogun. Voltou para o Japão e foi o primeiro ministro da era Meiji. Tudo muito lindo, muito denso, muita energia fantasmagórica no ar.
Depois quando Ihoko, Mari e Carla foram para o banho de Ofurô, eu fui para o boliche com o Dantcho, que eles chamam de “bolingo” – ganhamos! Eles não gostaram muito! Disseram q eu ganhei porque meu braço era forte! Fala sério!

Jantar – Tonkatsu (recheados com camarão, frango e repolho). Minha primeira gafe cultural. Eu estava explicando uma determinada coisa e peguei os hashis e “espetei” no meu potinho de arroz. Eles se jogaram para trás e disseram em coro “OOOHHHH”. Imediatamente eu retirei os hashis do arroz e perguntei: O que eu fiz de errado? Simples! Esse movimento é para saudar os parentes falecidos em seus túmulos, nos cemitérios. Que maravilha! Um jantar tão aconchegante, caro e fino e eu saudando os mortos! Que meu anjo da guarda me ajude!
  
Shopping Hykown – 100 ien (R$1,99) Aqui aconteceu o primeiro terremoto. Fantástico! Enquanto olhávamos a quantidade enorme de coisinhas inúteis que sempre queremos ter, os enfeites nas prateleiras começaram a tremer. A sensação é como se o tremor invadisse seu corpo. Vem das solas dos pés até a ponta dos cabelos. As pessoas passavam e não davam a mínima. Já acostumadas, com certeza. Enquanto isso nós nos olhamos e pensamos: O que está acontecendo? Incrível! Durou uns 2 minutos e foi inesquecível.

Dez de outubro
Visitamos a prefeitura de Oiso. Ganhamos um Kimono vermelho e um lenço de seda japonês. Nossa intérprete Missato nos ensinou alguns palavrões – Baka – merda. Ela é muito engraçada quando fica constrangida.Visitamos o prefeito de Hiratsuka. Ganhamos um kimono verde em comemoração ao Matsuri (festival da cidade). Ganhamos postais e um senhor de 65 anos nos falou sobre as máscaras do Kabuki que ele confecciona. Cada máscara leva em média um mês para ficar pronta. Ela é feita de pinho ou de outra madeira japonesa entalhada com todos os detalhes e pintada à mão.Cada máscara é estudada de acordo com a personagem da história que vai ser contada. Ele trabalha com o Mestre Kabuki que chama-se NOH. Ele me mostrou alguns símbolos – EVIL (mulher velha) representa os sentimentos internos como inveja, ciúme, avareza (por que será que esses sentimentos são representados por uma mulher velha?). Jovem príncipe – realeza e fineza; Jovem mulher – anjo e bondade. Cada movimento da máscara na representação mostra um rosto diferente mudando a expressão.
No almoço – comida maravilhosa – ganhamos flâmulas do Hiratsuka North e faixas para amarrar na cabeça, que são usadas pelos tocadores dos grandes tambores dos Festivais japoneses, o Taiko.

Dantcho e Ihoko san foram à fábrica de cerâmica Toto. Viram principalmente os vasos sanitários tecnológicos cheios de botões multi-uso. São impressionante. Parece um trono espacial. Dá até medo!
Eu e Iamaguchi conversamos sobre a poesia japonesa. Lembrei do Hai Kai chinês e ela me disse que em japonês é Hai Ku.
Visitamos também umas vacas confinadas numa sujeira danada. Nem vou falar do cheiro no ar! As gurias tomaram leite que nos foi oferecido com muito carinho e uma higiene danada de suspeita. Como não tomo leite, recusei educadamente. Provei um sanduichinho e uns biscoitos. Obrigada, senhor, pela minha saúde perfeita! Eles fizeram uma cara estranha. Melhor nem perguntar o gosto!

A apresentação de Koto foi bárbara. Koto é uma espécie de harpa deitada com muitas cordas. O instrumento tem quase 2m de comprimento e geralmente são mulheres que tocam. O som é divino. Uma das melhores tocadoras de koto tocou para nós quatro músicas. Misussuda.A primeira ela tocou com 13 cordas. A segunda com 13 cordas e flauta transversal com a aluna Sawada. A terceira com o Koto de 13 cordas e 17 cordas e o final com dois Kotos de 13 cordas “La Cumparsita”. O samba ficou pra outro dia!


Onze de outubro
Quando ficamos em hoteis, fazemos um revezamento de companheira. É interessante esse convívio com as pessoas. Sabemos da vida, da morte, das coisas que nos rodeiam. O que será que vem do outro lado para cá? O que será que vai daqui para lá?
Mari não está muito bem. Fiz uma limpeza de chakra nela e conversamos um pouco sobre o cosmos. Gosto de acreditar que somos instrumentos de paz, bondade, amor e confraternização. Sentimentos como raiva, angústia, impaciência, inveja, ciúme nos invadem durando o dia mas a grande deixa é saber transformar tudo isso em algo bom. Tento ser um bom ser humano. Ter paciência, principalmente isso!
A conversa de volta com Aioki-san foi proveitosa. Ele é um senhor de 80 anos e nos afinamos logo no início. Falamos sobre perdas, família, escolas, a vida dele, casamento. Morte. Ele me contou que não quer mais cães porque o que ele tinha morreu, depois de 10 anos de convivio com a familia. Ele sofreu muito, juntamente com os filhos. Eu disse para ele que a morte faz parte da vida. É a única coisa que é certa. Ele se imaginaria sem os filhos? Ele disse que não. Mesmo assim, ele sabe que podemos morrer a qualquer hora, e apesar disso ele arriscou ter 4. Sendo assim, por que resolveu te-los? Ele olhou para mim e sorriu um sorriso japonês, meio enviezado, com aqueles dentes amarelados e desnivelados. E me disse: "Irein, você é muito jovem para falar assim!"

O dia hoje foi fantástico. Detalhe: meu nome em japonês tem um som de IREIN. Eles não conseguem pronunciar a letra L.

CAIXA PRETA

Caixinha surpresa, como apelidamos, é uma espécie de marmita - BENTÔ - Elas vêm prontas para abrir e comer. São de madeira, finíssima, pintadas de preto com desenhos e letras kanji. Abre-se e tem sempre alguma crua cheirando a shoyo. Essa tinha peixe cru, peixe frito, peixe cozido, a sopa (como sempre) arroz, café e chá. Acaba-se de comer, fecha a caixa. E reza para a próxima ser um pouquinho melhor!



TOFU
O jantar de TOFU (queijo de soja) quase nos matou. Uma verdadeira orgia dos mais variados pratos com Tofu.
A bandeja redonda continha – sopa, arroz com 6 tipos de coisas diferentes que segundo a cozinheira levou 3 dias pra fazer (ele precisa ser fermentado! Melhor nem dizer o gosto que tem!), chá e saquê. Eles colocam uma espécie de panela de barro que vai carvão dentro. O carvão esquenta e prepara o tofu cozido com siri e verduras. Também tem tofu assado com carne crua, molho, peixe cru e pinha.
Mais tofu com peixe cru, uma espécie de polenta frita, pimentão, picles, etc.
Mais pratos foram servidos e potes colocados à nossa frente. É impossível comer pouco. O gosto é forte e como não estamos acostumados, quase enlouquecemos com tanta comida.
Eles disseram que isto era porque estavam nos mostrando como é a comida típica do Japão. É uma arte.
Cada pote, cada movimento “sumimassem” que vai sendo colocado à sua frente, representa uma cultura inenarrável. Os potes ganharam um concurso de artesanato como o primeiro do mundo. Até no final da janta, com tudo espalhado e remexido a mesa é linda.
Eles vão servindo saquê, cerveja, água, uns para os outros e comendo. Tomara que eu nunca esqueça isso.
Interessante – na cultura japonesa é a outra pessoa que serve seu copo.

O templo Xintoísta que visitamos foi algo sem medidas de valor. Para quem acredita, foi um presente. Foi feita uma oração especial e nossos nomes encaminhados ao Deus Oyama que é pai da segunda filha (Monte) Fuji. O sacerdote do templo entoou, como um canto gregoriano, nossos nomes e a reza. Antes, sentamos e ouvimos ele tocar o Taiko (grande tambor japonês) 1, 2, 3, devagar – 1, 2, 3, depressa. Várias batias e acalmando.
Uma espécie de espanador brando foi agitado na nossa frente nos abençoando. Ele se virou de costas, vestido a rigor, chacoalhou os inúmeros sinos e rezou. Depois ele se sentou, com o olhos fechados enquanto nós colocávamos uma madeira com papel branco no altar à nossa frente. Na saída, um imenso Taiko e uma imensa Kataná nas salas que se seguiam. Quando fomos visitar a caverna do dragão que carrega o Deus, acendi uma vela para a saúde de todos meus amigos, de todos meus familiares. Bebemos saquê e ganhamos um presente do deus. Ihoko acendeu uma vela também. Espero sinceramente que a sorte a acompanhe, e a felicidade também.

KOMA
Os piões, que são feitos aqui artezanalmente, fazem parte da arte japonesa. Dantcho e Carla puderam pintar o pião após o artífice passar o formão e arrumar a parte de cima. Cada um de nós ganhou um pião. Eles são grandes e tem uma corda grossa para serem lançados. 












Doze de outubro
Na visita à Prefeitura de hadano fomos convidadas a participar da apresentação de Taiko, juntamente com os mestres. Eles começaram a bater nos tambores e nós imitávamos o som. Ele até tentou uma batida de samba e fomos atrás, sem errar. Depois de castigarmos os tambores a vibração ficou nos braços e no peito. A repercurssão é bombástica. O som penetra não só pelos seus ouvidos mas pelos seus poros. O coração bate no ritmo do som e parece que vai sair pelo peito a fora.
Jantar chinês, para variar, ótimo! Uma comida bem light com o sirizão daqui – kani . Ele é gostoso mas a maneira de temperar deles muitas vezes estraga tudo. No jantar eles fizeram questão de indagar sobre a Amazônia como se eles tivesse direito sobre ela.
O parque – Togawa Park Center – é muito lindo. Mais uma cerimônia do chá, mais light desta vez.  Agora já não nos deixamos enganar pelos doces pretos. Eles são feitos de feijão e não de chocolate. Ai!!!!
O almoço estava terrível. Mari não estava se sentindo bem e nós não conseguimos comer direito.
Fechamos a caixinha preta e bebemos o chá horrível.
Roubei uma sementinha do tico-teco pra Carla.
A Mari foi ao hospital e nós fomos a fabrica da Toshiba ver a linha de montagem. Temos a impressão que eles pensam que o Brasil é só mato. Eles pensam que nós vamos roubar alguma coisa. Colocam um japonês na frente e outro atrás para nos cuidar. Não podemos fazer nada sem sermos controlados.

Frase do dia antes do banheiro – por favor venham o mais rápido possível! Até o xixi tem tempo certo!!!!
Todo o dia é a mesma coisa, eles sempre estão correndo atrás do horário e nós sempre adiantados. Eles é que se atrasam. Aoki-san chegou a dizer 5 vezes que era para nós estarmos prontos as 9h da manhã. Chegamos ao saguão do hotel exatamente cinco para as 9 para sairmos as 9h30. Chegou a ser engraçado. Ficamos todos sentados, olhando um para o outro. Aí, quando deu 9h30 eles levantaram e todos saímos. Pra que tanto? Que neurose! É uma angústia tão grande que eles têm relógio até no vaso sanitário. Sério!


Na cerimônia do chá em Otemoto nos foi presenteado hachis por um senhor idoso (todos são idosos aqui). Explicaram que Tchaco é a panela de aquecer água para o chá. Todas nós fizemos um chá hoje. Será que estão nos treinando para ficar aqui? Ai ai!!

Treze de outubro
 Só passaram 10 dias e parece uma eternidade. Hoje eu me senti bem cansada. Pode ter sido a cerveja com saquê de ontem à noite. Como eles bebem! Ou de repente sabem que os brasileiros bebem cerveja e resolveram aderir.
Conhecemos as montanhas de Odawara. A temperatura abaixou e está mais agradável. Fomos a um exposição de arte japonesa Yukarino Fine of Arts. Em Yugawara almoçamos com um outro grupo de rotarianos. A comida estava ótima.
Bolinhos fritos e um chá marrom melhor que o diabo verde.

Depois fomos até Kanagawa Aerospace Museum. Ganhamos um pin super caro e um livrão que vou dar para a Julia. O museu é lindo. Tem quilhões de bichos de todo o mundo. E pelo jeito eles adoram borboletas. É impressionante a quantidade de borboletas que eles têm da mesma espécie. “É uma questão de display” – disse-me um deles quando perguntei por que um painel tão grande 4m x 3m simplesmente lotado de borboletas azuis, vindas da Amazônia. 
Ele riu. Eu fiquei furiosa. Ele percebeu. Reinou um clima constrangedor ao redor. Eles nos tiraram dali rapidinho para ver os repteis.
No final do dia fomos seraradas em casas diferentes. A mulher parece bem rica e fica abrindo e fechando as portas o tempo todo. Ela me ensinou – Oiasuminasai: boa noite; Ohaio gosaimasu: bom dia; Neku: gato; a palavra para cachorro eu sempre esqueço. Ela me mostrou as porcelanas, a televisão, música, falamos sobre línguas, mostramos fotos. Ela é bem simpática. Na hora de nos separar nas casas tive a impressão que ela queria ficar com a Ihoko e o senhor Furukawa queria ficar comigo. Lástima! Tudo aqui é muito além da minha capacidade de estilo. Tem controle remoto para tudo aqui.

O segundo terremoto.

Estávamos na sala de estar ela conversando com o marido e comigo. De repente, ela suspirou e se retesou no sofá e olhou para um vaso de cristal de um metro e meio em uma mesa redonda no canto da sala, cheio de rosas.
O vaso balançava, tremia todo. As rosas chacoalharam. Uma sensação indescritível. O tremor vem do solo, sobe pelas solas dos pés e vibra pelo corpo todo. Impossível controlar. Não existe posição para ficar nem como evitá-lo. É simplesmente ficar ali e deliciar-se com as sensações. Pelo menos foi o que eu senti e disse, maravilhada – que legal!
Ela olhou para mim apavorada – com o terremoto e com minha felicidade. Neste exato segundo eu percebi a minha estupidez. Estava tão maravilhada em experimentar um terremoto que não me atinei para as conseqüências desastrosas que isso pode ter. Paciência. Uma amiga minha me disse uma vez que o que mais ela admirava em mim era minha autenticidade. Cômico. Constrangedor. Eu com um sorriso no rosto e a mulher preocupada com o vaso de cristal de trocentos dólares! Não se pode expressar o que quiser assim, desse jeito. Pelo menos não no Japão – achar que um terremoto é “legal”.

Quatorze de outubro
Odawara - Hoje fomos até Sounzain Mountain. Subimos de trem, pegamos o teleférico, almoçamos (eu não consegui comer direito), ganhamos uma lembrancinha (hiotãn – porongo). Coloquei na minha máquina fotográfica Agfa. Que, diga-se de passagem, chamou uma atenção enorme aqui. Eles são fanáticos por fotografia. E minha máquina é antiga. Meu pai trouxe da Holanda em 1960. Imagine! A capa dela parece um capacete de nazista.

Experimentamos os ovos cozidos na água de enxofre. Cada ovo comido dá 7 anos a mais de vida saudável. 
Pegamos o cable car novamente, depois o navio e chegamos a um templo xintoísta – Hakone Shrine.
Fomos abençoados e ganhamos comida e outras coisas. Sache também. Comitchiuá: tarde;
Cambauá: noite.


Quinze de outubro
De manhã fomos a Odawara Castle com um guia lindinho e uma guia velhinha muito querida que falava inglês e foi nos apresentando tudo. Vestimos-nos de princesas, tiramos fotos e fomos ver o museu. É impressionante a quantidade de coisas que eles guardam. Especialmente armas. Tem uma espécie de flecha-lança que eram usadas para caçar os fugitivos. Vi algumas gravuras das torturas e as máscaras e os uniformes dos samurais.
A velha me disse que cada família tinha uma roupa diferente e entre elas, dependendo da hierarquia de importância, certos tipos diferentes de capacete. O almoço foi chinês e gostoso. Fechamos com a sopa de tubarão. Vimos uma noiva vestida de kimono e o rapaz me disse que são as mulheres que escolhem o tipo de casamento que querem ter. Pelo menos isso!
Daqui eu escuto um trem que passa. A minha mama me deu um símbolo de casamento e postais. Também me deu bolsinhas para as minhas mães no Brasil. Ela adorou a foto do Hugo. Ficou olhando para ela um tempão. Na saída ela se agarrou em mim e disse que iria sentir a minha falta. Ela é riquíssima. Me senti dentro da própria revista Casa Claudia. Aoki-san estava aqui para nos cuidar novamente. Ele é o responsável pelo GSE e também parece ser o sargento das Armas. O tempo todo ele faz questão de nos dar as horas. Hoje a minha mala foi a última a chegar no quarto e eu cheguei três minutos atrasada na festa. Estavam todos me esperando e achei que ia para o tronco. O jantar estava divino. Comemos massa e nos atracamos nas frutas – raridades caras por aqui. Cantamos para o povo e o presidente de alguma coisa cantou uma canção de despedida para nós, de amor. Tinha a voz de um tenor maravilhoso. Ihoko disse que ontem à noite ele e o Dantcho estavam no Karaoquê na casa do Sr. Furukawa. Beberam saquê até cair! Nada como uma boa diversão! Rir é o melhor antídoto natural para qualquer veneno na vida!

Para quem chegou até aqui, ainda vem a segunda e ultima parte.
Muita coisa ainda para contar. Ah, e as fotos foram alteradas para ficarem "ruins" mesmo.
Arigatô!


Um comentário:

  1. Cau escreveu - Ri muito, você tem o dom de escrever com riqueza de detalhes.
    Eis alguns comentários sobre seu Diário de Viagem Japão.
    Seu cabelo nervoso... adorei! A cuia de chimarrão bem que poderia ser usado como bomba. Concordo com o governo japonês. O nome do seu gato... sem comentários!!! o que você tem contra Mimi, fifi, duquesa???? Sanduíche de carne!!!! Demais!!!! Carne crua! Ri que passei mal.
    A-do-rei o “boa saúde”. Japonês tarado, eu queria ver! KKKKKKKKkkkkkkkk. A cerimônia do chá... Ri que chorei. Mas, a importância que eles dão à educação é de invejar! Pena que nossos governos não têm vergonha e são como são. Se eu fosse ao Japão, com a minha risada baixa e moderada, teria de ficar com uma fita crepe vedando a boca. Seria a vergonha andante. Restaurante italiano... meia galinha... pele e tudo. Ri que chorei! Só de lhe imaginar, demais!!! Você cantando, essa eu queria ver. Sushi e primos dele, não me apresente, não suporto comida crua, peixe então! Salmão que é salmão só como grelhado. Quando como comida japonesa, escolho algo cozido, grelhado. A parte da enguia...Esse comentário vou pular! Gafe com os bolinhos de arroz! Fala sério, Elaine. Você é de uma cultura, eles de outra, há de haver um meio termo. Terremoto fantástico! Só você. Adorei a parte das máscaras.
    Adorei, Irein. Tofu é a rima. Não como de jeito nenhum. Prefiro lamber tijolo! Com certeza, adoraria o templo Xintoísta.

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