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Trabalhamos embarcadas, offshore, dentro d’água, como queiram. As palavras para explicar essa maneira de ganhar a vida, ou ganhar o sagrado dinheiro para viver a vida, tem muitos nomes. Mas, o importante é o que se ganha na convivência. Neste mundo muito diferente, temos o privilégio da intimidade quando descobrimos a beleza no interior dos seres mais incríveis. Verdadeiros presentes em palavras pois é o que podemos aqui compartilhar. Pérolas que não vão adornar o corpo mas com certeza vão fazer crescer o valor da alma de cada uma de nós. Se nem tudo que se mostra é belo, não importa. Se percebermos o equilíbrio, vai ficar tudo bem!

19 novembro, 2018

Hoje é Dia de Chuva !!!

Foto: Ramblas, Barcelona - ES


       Amanheceu chovendo. E, pior, tem troca de turma. O pessoal já está agitado, ansioso. De dez em dez segundos aparece alguém na Sala de Radio para saber se o aeroporto está fechado; se os voos estão normais; se "alguma notícia"?
       A agitação da alma é maior. O confinamento potencializa tudo. O grau de nervosismo, a dor de cabeça, o cansaço, o mau humor e a psoríase. O coração pesa no peito... avisar a família; consultas marcadas para cancelar; a viagem que talvez será perdida... E a mente entra em um turbilhão de emoções beirando o descontrole.
       E hoje é dia de chuva. E o aeroporto fecha! Agora é colocar o macacão novamente e voltar para a área. Voltar para a realidade do trabalho que hoje está especialmente difícil, pois não pára de chover.         E deixar a área pessoal novamente, trancada no armário até o próximo dia, onde viveremos tudo novamente, cada minuto, querendo saber se os voos vão acontecer.
      E nesse mundo de água, fogo e ferro é complexo agir como um ser humano. Ontem um colega falou que as pessoas que trabalham embarcadas não são normais. Depois de rir e pensar que isso é bizarro, perguntei para ele o que é "normal"? Se considerarmos as milhões de profissões e inúmeros trabalhos que existem, encontraremos coisas bem mais anormais. E cada uma delas precisa de pessoas para que as engrenagens da sociedade continuem rodopiando e fazendo seu papel. Então a normalidade tem suas nuances. Como disse antes, o ambiente onde trabalhamos nos potencializa.
       Tudo aqui tem uma conotação exagerada pelo fato de passarmos mais de 14 dias dentro do ambiente de trabalho - dormindo, comento, vivendo com as mesmas pessoas 24h por dia. Tudo é exagerado. Comida à vontade de várias qualidades - coisas que normalmente não temos em casa - aqui tem de sobra! O pior é que o afastamento de casa incomoda tanto, que parece que o cozinheiro não acerta no tempero! Dormir também é um exagero. Nas doze horas que ficamos de sobreaviso dormimos umas dez! Afinal, não tem muito lazer, nem onde ir, nem opções culturais ou artísticas. É um excelente lugar para se criar vícios! Leitura, Play Station, Candy Crush, Chimarrão, Fofoca, Whatsapp, e o que mais a sua solidão necessitar para ser driblada... até mesmo passar inúmeras vezes pelo quadro de aviso para ver se seu nome está na lista para desembarcar!
       E hoje é mais um dia de chuva! E muda o clima, claro, (idiotice dizer isso, mas...) muda o clima por dentro. Os sorrisos são menores, a tristeza maior, as piadas diminuem, a ansiedade aumenta. Aumenta também a vontade de estar longe daqui, perto de alguém que te coloque no colo. A carência aperta sua mão e as memórias afloram. Lembramos de tudo... dos perfumes, dos toques, dos sons. Queremos voltar ao passado com aquela urgência desesperada de um futuro cheio de sol para nos levar para casa. Aí o arrependimento soca o estômago quando lembramos que as férias foram vendidas em detrimento de um dinheirinho que era preciso para isso, ou para aquilo... são tantas coisas que se precisa! E agora, nesta chuva, percebe-se que a necessidade está muito além do material. A felicidade está fracamente ligada a um simples raio de sol!
       Sair daqui tem um contexto muito sério para nossa sanidade mental. A maioria das pessoas pensa que nossos dias de folga são o paraíso. Ledo engano! A folga é feita para tentar recobrar os dias que estávamos ausentes. Consultas, consertos, soluções de problemas, crianças, pais, conjuges, carros, casa, e por aí vai... são tantas cobranças - físicas e psicológicas - que raramente temos um tempo de folga, na folga (redundante?), para cuidar de nós mesmos! 
       E é por isso que as férias são fundamentais para desvincular nosso físico e mental dessa área tão complexa que é o nosso trabalho neste navio. É necessário sair, olhar horizontes diferentes, ouvir sons, ver pessoas e lugares que não são rotineiros. Essa higiene mental é vitamina pura para nosso cérebro - em todas as áreas - formando conexões sinápticas para nos manter saudáveis, trazendo alegria e afastando as doenças. Refazendo nosso sistema imunológico e garantindo que, a próxima vez que o voo for transferido, eu não vá surtar!
       Hoje é dia de chuva! Deixa chover! 
       Mas antes, tem sempre uma reza para ajudar a afastar as nuvens!

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